O primeiro livro que li do mestre Haruki Murakami, cerca de 1 ano atrás, me chamou a atenção por ser um livro sobre corrida – prática que iniciei há cerca de 8 anos agora, mas que mais que nunca se torna parte da rotina por ser um esporte simples, barato, viável e que faz muito bem.
Neste livro, Murakami faz praticamente sua auto-biografia sob a ótica da corrida, e relaciona muitas coisas a escrita dos seus romances também – por isso as frases abaixo talvez não tenham tanta conexão. Um resumo nunca substituirá um livro, por isso sustento que se gostam de corrida, comprem o livro!
Um ponto positivo foi que, finalmente consegui neste livro captar mais da filosofia que há por trás da simplicidade desse esporte e modo de vida. Sinceramente, não tenho expectativas de achar algo parecido com o que o autor japonês fez com esta obra.
-Por mais mundana que uma ação possa parecer, fique nela tempo suficiente e ela se tornará um ato contemplativo, meditativo, até.
-Às vezes, corro rápido quando sinto vontade, mas, se aumento o ritmo, diminuo a quantidade de tempo que corro, e a ideia é deixar que a exaltação que sinto no fim de cada corrida dure até o dia seguinte. É o mesmo tipo de abordagem que creio ser necessária quando estou escrevendo um romance. Paro todo dia bem no momento em que sinto que posso escrever mais. Feito isso, o dia de trabalho seguinte transcorre surpreendentemente bem. Acho que Ernest Hemingway fazia alguma coisa parecida. Para seguir em frente, é preciso manter o ritmo. Isso é o mais importante em projetos de longo prazo.
-Correr sem intervalo por mais de duas décadas também me tornou mais forte, tanto física como emocionalmente.
-Se você mora em Boston, cerveja Samuel Adams (Summer Ale) e Dunkin’Donuts são parte essencial da vida. Mas descobri para meu deleite que até mesmo essas indulgências podiam ser compensadas com o exercício constante.
-Para dizer de um modo mais agradável, sou o tipo de pessoa que não acha um sofrimento ficar só. Não acho que passar uma ou duas horas correndo sozinho todos os dias, sem falar com ninguém, além de passar quatro ou cinco horas sozinho em minhas mesa, seja difícil nem chato. Tenho essa tendência desde que era mais novo, quando, caso tivesse escolha, preferia ficar sozinho lendo um livro ou concentrado ouvindo música a estar na companhia de alguém. Sempre fui capaz de pensar em coisas para fazer quando estou sozinho.
-Ao meter o nariz em todos os tipos de lugar, conquistei as habilidades práticas de que precisava para viver. Sem esses dez duros anos não acho que eu teria escrito romances e, mesmo que tentasse, não seria capaz de fazê-lo. Não que a personalidade das pessoas mude assim tão dramaticamente. O desejo que há em mim de permanecer sozinho não mudou. Eis por que a hora e pouco que passo correndo, preservando um tempo só meu, em silêncio, é importante para me ajudar a manter o bem-estar mental. Quando estou correndo, não preciso conversar com ninguém e não tenho de escutar ninguém falando. Tudo que tenho a fazer é olhar a paisagem que passa por mim. Essa é uma parte do meu dia sem a qual não consigo viver.
-Em dias frios, acho que penso um pouco sobre quanto está frio. E nos dias quentes, em como faz calor. Quando estou triste penso um pouco sobre a tristeza. Quando estou feliz, penso um pouco sobre a felicidade.
-Se fosse alguma coisa que eu houvesse experimentado antes, então talvez fosse capaz de compreender mais claramente, mas essa é a primeira vez, então não posso.
-Como já mencionei antes, competir contra outras pessoas, seja na vida diária, seja em meu campo de trabalho, simplesmente não é o estilo de vida que busco.
-É precisamente por serem diferentes umas das outras que as pessoas são capazes de criar seus próprios eus independentes. Tomem a mim como exemplo. É precisamente minha capacidade de detectar determinados aspectos de uma cena que outras pessoas não conseguem, de sentir de forma diferente dos outros e de escolher palavras que são diferentes das deles que me permite escrever histórias que sejam minhas e de mais ninguém.
-Vou deixar para pensar depois no que pode significar tudo isso. (Postergar o ato de pensar a respeito de alguma coisa é uma de minhas especialidades, uma habilidade que aprendi a cultivar com o passar dos anos).
-Os trinta anos estavam logo ali. Eu ia chegar a uma idade em que não podia mais ser considerado jovem. E, meio que do nada, tive a ideia de escrever um romance.
-O livro foi razoavelmente bem-recebido. Eu estava com trinta anos e, sem entender de fato o que se passava, de repente me vi rotulado como um novo e promissor escritor. Fiquei um bocado surpreso, mas as pessoas que me conheciam estavam ainda mais surpresas.
-Todos os dias por três anos cuidei de meu clube de jazz – fazendo contas, checando listas de provisões, escalonando pessoal, atendendo eu mesmo atrás do balcão, na preparação de coquetéis e cozinhando, fechando as portas a altas horas da madrugada – e só depois escrevendo em casa, na mesa da cozinha, até pegar no sono. Eu sentia como se estivesse vivendo a vida por duas pessoas.
-Sou o tipo de pessoa que precisa se comprometer totalmente com seja lá o que fizer. Eu simplesmente não podia me ocupar de uma atividade criativa como escrever um romance enquanto algum outro cuidava do clube de jazz. Eu tinha de dar o máximo de mim. Se fracassasse, conseguiria aceitar. Mas eu sabia que se fizesse as coisas com empenho apenas parcial e elas não se concretizassem, sentiria remorso para sempre.
-Minha esposa e eu decidimos que era melhor ir para cama pouco depois de escurecer e acordar com o raiar do dia. Na nossa concepção, isso era natural, o tipo de vida respeitável que as pessoas viviam. Havíamos fechado o clube, de modo que decidimos também que a partir dali só nos encontraríamos com as pessoas que queríamos ver e, na medida do possível, passaríamos sem os demais.
-As pessoas rendem mais em horários diferentes do dia, mas eu definitivamente sou do tipo matinal. É nessa hora que consigo me concentrar e terminar algum trabalho importante que tenho para fazer. Depois disso, me dedico a tarefas que não exigem grande concentração. Ao fim do dia eu relaxo e não trabalho mais. Leio, escuto música, fico tranquilo e tento ir cedo para a cama.
-É um estilo de vida, contudo , que não permite muita vida noturna, e às vezes seu relacionamento com as outras pessoas se torna problemático. Tem gente que até mesmo se enfurece com você porque convida para ir a algum lugar ou fazer algum coisa e você vive recusando.
-Costumo pensar no modo como, exceto quando é jovem, você precisa realmente estabelecer prioridades na vida, imaginando em que ordem deve dividir seu tempo e sua energia. Se não consegue estabelecer esse tipo de sistema em uma certa idade, vai perder o foco e sua vida fica em desequilíbrio.
-Em outras palavras, é impossível agradar todo mundo. Mesmo quando cuidava de meu bar eu seguia a mesma política. Um monte de fregueses frequentava o lugar. Se um em cada dez gostava de lá e dizia que voltaria, isso era o suficiente. Se um em cada dez se tornava um freguês regular, então o negócio sobreviveria. Em outras palavras, não importa se nove em cada dez pessoas não gostavam do meu bar. Perceber isso tirou um peso de meus ombros.
-Nunca vi nenhuma nascente por perto. Tenho de martelar a pedra com um cinzel e cavar um profundo buraco antes de conseguir localizar a fonte da criatividade. Para escrever um romance, tenho de exigir muito de mim, fisicamente, e despender um bocado de tempo e esforço. Toda vez que começo um romance novo, sou obrigado a escavar um novo buraco profundo.
-Os seres humanos naturalmente continuam a fazer as coisas de que gostam, e param de fazer as que não gostam.
-Sempre penso em aconselhar os professores a não obrigar todos os alunos dos ensinos fundamental e médio a cumprir um mesmo percurso, mas duvido que alguém me dê ouvidos. É assim que as escolas são. A coisa mais importante que jamais aprenderemos na escola é o fato de que coisas importantes não podem ser aprendidas na escola.
-Após a longa corrida, sento em um café no vilarejo e tomo uma cerveja Amstel gelada. Ela desce de um jeito fantástico, mas não chega nem perto de ser tão bom quanto a cerveja que imaginei beber enquanto corria. Nada no mundo real é tão belo quanto as ilusões de uma pessoa prestes a perder a consciência.
-A academia em que malho em Tóquio tem um pôster que diz: “Músculos são difíceis de conseguir e fáceis de perder. Gordura é fácil de conseguir e difícil de perder”.
-Ainda que o nível de capacidade varie, existem coisas que só corredores compreendem e compartilham. Acredito nisso de fato.
-Mesmo hoje, quando corro por Jingu Gaien ou Asaka Gosho, às vezes me lembro desses dois corredores que morreram. Dobro uma esquina e tenho a sensação de que vou vê-los vindo em minha direção, correndo em silêncio, seu hálito branco no ar matinal. E sempre penso no seguinte: eles passaram por um treinamento tão extenuante, e para onde foram seus pensamentos, esperanças e sonhos? Quando as pessoas morre, seus pensamentos simplesmente desaparecem?
-A barreira que divide a confiança salutar do orgulho prejudicial é muito fina.
-O problema do talento, contudo, é que na maioria dos casos a pessoa envolvida não consegue controlar sua quantidade ou qualidade.
-Ninguém vence o tempo todo. Na estrada da vida você não pode ir constantemente pela faixa mais rápida.
-Se me perguntarem qual a segunda qualidade mais importante para um romancista, essa também é fácil: concentração – a habilidade de focar todos os seus limitados talentos no que for mais crucial no momento.
-Não – esqueça a cerveja. E esqueça o sol. Esqueça o vento. Esqueça o artigo que tem de escrever. Apenas se concentre no movimento do pé adiante, um depois do outro. É a única coisa que importa.
-Isso é o que quero dizer quando afirmo que sem concentração você não realiza coisa alguma.
-Depois de concentração, a coisa mais importante para um romancista é, sem sombra de dúvida, perseverança.
-A linha de chegada. Enfim acabo. Estranhamente, não me vem nenhum sentimento de realização. A única coisa que eu sinto é um completo alívio por não precisar mais correr.
-Em sua correspondência particular, o grande escritor de policiais Raymond Chandler certa vez confessou que mesmo que não escrevesse nada, obrigava-se a sentar em sua mesa todo dia e se concentrar. Entendo a finalidade por trás disso. Esse era o modo como Chandler arrumava para si mesmo a resistência física de que um escritor profissional precisa, aumentando tranquilamente sua força de vontade. Esse tipo de treinamento diário era indispensável para ele.
-Ser jovem significa que todo o seu corpo é dotado de uma vitalidade natural. Concentração e perseverança surgem na medida da necessidade, e você nunca precisa ir atrás delas por conta própria. Se você é jovem e talentoso, é como se tivesse asas.
-Forçar a si mesmo ao máximo dentro de seus limites individuais: essa é a essência de correr, e uma metáfora aplicável à vida – e, para mim, ao ato de escrever, também. Acredito que muitos corredores concordariam.
-Estar cercado por outros corredores tende a exercer uma influência em você.
-No dia da corrida, enquanto corro por essas ruas, será que conseguirei apreciar este outono em Nova York? Ou estarei preocupado demais? Não vou saber enquanto não começar de fato a correr. Se existe uma regra curta e grossa sobre maratonas, é essa.
-No Gatsby de Scott Fitzgerald, um dos personagens, Tom Buchanan, um homem rico que é também um renomado jogador de polo, diz: “Já ouvi falar de estábulo convertido em garagem, mas sou o primeiro a transformar uma garagem em estábulo”. Não é para me gabar, mas estou fazendo a mesma coisa. Sempre que encontro um LP de qualidade de algo que já tenho em CD, não hesito em vender o CD e comprar o LP.
-Em determinados pontos de nossas vidas, quando precisamos realmente de uma solução elegante, a pessoa que bate a porta é, com muito mais freqüência, portadora de más notícias. Nem sempre é o caso, mas por experiência eu diria que as notícias ruins superam de longe as de outro tipo. O mensageiro leva a mão ao boné e nos olha meio constrangido, mas isso não melhora em nada o conteúdo da mensagem. Não é culpa do mensageiro. Não adianta apontar para ele, não adianta agarrá-lo pelo colarinho e sacudi-lo. O mensageiro está apenas fazendo zelosamente o trabalho que seu chefe designou para ele. E o chefe? Ninguém mais, ninguém menos que nossa velha amiga, a Realidade.
-Mas alguma coisa estava me pressionando: Você treinou o mais duro que pôde debaixo daquele calor todo, não foi? Se não consegue fazer esse tempo, então de que adiantou? Você é um homem ou o quê? Comece a agir como um! Essa voz sussurrava em meu ouvido, assim como as vozes do gato malandro e da raposa que tentavam Pinóquio em seu trajeto para a escola.
-O que quero dizer é: não comecei a correr porque alguém me pediu para me tornar um corredor. Assim como não me tornei um romancista porque alguém me pediu para ser um. Certo dia, do nada, quis escrever um romance. E um dia, do nada, comecei a correr – simplesmente porque eu quis. Sempre fiz o que tive vontade de fazer na vida. As pessoas talvez tentem me deter, e me convencer de que estou errado, mas não vou mudar.
-Dedico este livro a todos os corredores que encontrei pelas ruas – os que ultrapassei e os que me ultrapassaram. Sem todos vocês, eu nunca teria continuado a correr.
Haruki Murakami – Agosto de 2007
Irado Lui ????