Esse é o segundo Livro de Rubem Alves que aparece aqui. O primeiro foi “Se eu pudesse viver minha vida novamente”.
Ler Rubem Alves é sempre um prazer, uma emoção, ainda mais para nos inspirar sobre temas que envolvem educação a todos os que são professores: acadêmicos, numa escola ou até de Cursos no meu caso.
Que não percamos esse amor por ensinar!
Seguem as melhores frases, abaixo, divididas em diferentes parágrafos.
O que permanece, de um texto, não é o que está escrito mas aquilo que ele faz pensar. Eu jamais pediria que um aluno repetisse o que um autor escreveu, num texto. Jamais pediria que ele “interpretasse” o autor. Pediria, ao contrário, que ele escrevesse os pensamentos que ele pensou, provocado pelo que leu…
Está lá no Cancioneiro da Inconfidência: “Quando a desgraça é profunda, que amigo se compadece?”
Ciência dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão para corpo e alegria para a alma.
e que, com a magia das suas palavras, devolve a esperança aos pedagogos que já se supunham condenados para sempre à inutilidade e à impotência…
as crianças estão sempre a nascer para a eterna novidade do mundo.
quem gosta de ler tem nas mãos as chaves do mundo.
Não é ferramenta. Não serve para nada. Mas enche a minha alma de felicidade.
Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo. Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma.
Walt Whitman conta o que ele sentiu quando, menino, foi para a escola: Ao começar meus estudos, me agradou tanto o passo inicial, a simples conscientização dos fatos, as formas, o poder do movimento, o mais pequeno inseto ou animal, os sentidos, o dom de ver, o amor–o passo inicial, torno a dizer, me assustou tanto, me agradou tanto, que não foi fácil, para mim, passar e não foi fácil seguir adiante, pois eu teria querido ficar ali flanando o tempo todo, cantando aquilo em cânticos extasiados.
Nietzsche disse que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. É a primeira tarefa porque é através dos olhos que as crianças pela primeira vez tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo.
O que é um olhar? O olhar não se encontra nos olhos. Observação de Sartre: “O olhar do Outro esconde seus olhos”. Observação de Cecília Meireles: “O sentido está guardado no rosto com que te miro”.
Mas uma outra hipótese tem que ser levantada: que a inteligência dessa criança que parece incapaz de apreender tenha sido enfeitiçada pelo olhar do professor. Por isso lhe digo, professor: cuide de seus olhos…
Aprende-se a ler aprendendo-se as letras do alfabeto. Primeiro as letras. Depois, juntando-se as letras, as sílabas. Depois, juntando-se as sílabas, aparecem as palavras…
Todo texto literário é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele surfa sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto–a beleza acontece. E o texto se apossa do corpo de quem ouve.
A professora, coitada, não é culpada. Ela sabe que sua função é cumprir ordens que vêm de cima, dos especialistas. Há um programa a ser cumprido. Ela obedece. Já nem mais se atreve a pensar.
Quem ama ler tem nas mãos as chaves do mundo.
Seu amor pela gramática tornava-o insensível à literatura.
A obsessão com as regras da gramática pode nos tornar insensíveis ao gosto das palavras.
Diante de um impasse prático, ele pensa. Inventa. Como diz o ditado: “a necessidade é a mãe da invenção”.
Cada professor, ao tentar ensinar qualquer coisa, deveria se fazer esta pergunta: “qual é a função prática do que estou ensinando, para o momento da vida do aluno à minha frente?”.
Pensei que a vida não produz apenas objetos úteis, ferramentas adequadas à sobrevivência. A vida não deseja apenas sobreviver. Ela não se satisfaz com a utilidade. Ela constrói seus objetos segundo as normas da beleza. A vida deseja alegria.
Uma menina perguntou a Mario Quintana se era verdade que os machados públicos iriam cortar um maravilhoso pé de figueira que havia numa praça. Isso o levou de volta aos seus tempos de menino–no quintal de sua casa havia uma paineira enorme que, quando florescia, era uma glória. Até que um dia foi posta abaixo, simplesmente “porque prejudicava o desenvolvimento das árvores frutíferas. Ora, as árvores frutíferas! Bem sabes, meninazinha, que os nossos olhos também precisam de alimento…”.
Hume, ao final do seu livro Investigação sobre o entendimento humano, propõe duas perguntas, somente duas, que, se feitas, produziriam uma assepsia geral do conhecimento. De forma semelhante, e inspirado pela sabedoria dos moluscos e suas conchas, quero propor duas perguntas a serem feitas a tudo aquilo que se ensina nas escolas. Primeira: isso que estou ensinando é uma ferramenta? Tem um uso prático? Aumenta o poder do meu aluno sobre o mundo que o cerca? De que forma ele pode usar isso que estou ensinando como ferramenta para construir a sua concha, a sua “casa”? Segunda: isso que estou ensinando contribui para que o meu aluno se torne mais sensível à beleza? Educa a sua sensibilidade? Aumenta suas possibilidades de alegria e espanto? Concluo com as palavras de Hume: se a resposta for negativa, então, “que seja lançado ao fogo”–porque nada tem a ver com a sabedoria da vida. Não passa de tolice e perda de tempo…
Educação não se faz com dinheiro. Educação se faz com inteligência.
Primeira lição para os educadores: a questão não é ensinar as crianças. A questão é aprender delas. Na vida de uma criança a gente vê o pensamento nascendo–antes que a gente faça qualquer coisa…
Feuerstein tem interesse especial em pessoas que, por fatores genéticos (síndrome de Down, por exemplo) ou ambientais (ambientes pobres econômica e culturalmente), tiveram suas inteligências prejudicadas. Ao serem testadas, seu desempenho é inferior ao de crianças “normais”. Sua hipótese, testada e confirmada, é que, se tais pessoas forem colocadas em ambientes interessantes, desafiadores e variados, sua inteligência inferior sofrerá uma transformação para melhor. A inteligência se alimenta de desafios. Diante de desafios, ela cresce e floresce. Sem desafios, ela murcha e encolhe. As inteligências privilegiadas podem também ficar emburrecidas pela falta de excitação e desafios.
Sugiro aos psicopedagogos que, ao lidarem com uma criança supostamente burrinha, investiguem a casa em que ela vive. O quarto mais fascinante do sobradão colonial do meu avô era o quarto do mistério, de entrada proibida, onde eram guardadas, numa desordem total, quinquilharias e inutilidades acumuladas durante um século. Ali a imaginação da gente corria solta. Já a sala de visitas, linda e decorada, era uma chatura. A criançada nunca ficava lá.
Buber deu a esse tipo de relação o nome de “eu-isso”. Tocadas pela relação eu-isso, todas as coisas, pessoas, animais, árvores, Deus, se transformam em coisas que uso para atingir os meus propósitos. Eu sou o centro do mundo. Tudo o que me cerca são utensílios que uso para os meus propósitos. Quando, ao contrário, meus olhos estão abertos para o assombro e o mistério das coisas que me rodeiam, eu refreio minha mão. Não posso usá-los como se fossem ferramentas para os meus propósitos. São meus companheiros–não importa se um ipê florido, um cãozinho, um poema, uma criança que quer me vender dropes no semáforo… Buber deu o nome de “eu-tu” a essa relação.
Sabedoria, disse Roland Barthes, é “nada de poder, uma pitada de saber e o máximo possível de sabor…”.
Certo estava Ângelus Silésius: “A rosa não tem porquês; ela floresce porque floresce”. Assim é a Escola da Ponte.
Albert Camus, que dizia que “só se pensa através de imagens”.
Os especialistas no assunto já me disseram que não se deve ajudar pessoas nos semáforos, pois isso é incentivar a malandragem e a mendicância. Mas me diga: o que vou dizer àquela criança que me olha e pede: “compre, por favor…”? Vou lhe dizer que já contribuo para uma instituição legalmente credenciada? Diga-me: o que é que eu faço com o olhar dela?
Passas por uma criancinha: passas irritado, com más palavras na boca, a alma cheia de cólera; talvez tu próprio não avistasses aquela criança; mas ela te viu, e quem sabe se tua imagem ímpia e feia não se gravou no seu coração indefeso! Talvez o ignores, mas quem sabe se já disseminaste na sua alminha uma semente má que germinará! Meus amigos: pedi a Deus alegria! Sede alegres com as crianças, como os pássaros do céu.
Imaginem agora que o Da Vinci, do jeito como ele foi, vivendo entre nós, desempregado, tivesse enviado seu curriculum vitae para uma série de empresas. Ao ler que o tal pretendente se dizia pintor, escultor, engenheiro, urbanista, inventor, fabricante de instrumentos musicais, filósofo, o pessoal dos recursos humanos teria logo jogado no lixo o seu currículo. O tal “Da Vinci” só podia ser um doido.
As sementes são um potencial de vida que precisa ser semeado para vir para fora. Se não for semeado, o potencial morre. Acontece o mesmo com a inteligência. Se ela não for semeada, permanece semente para sempre, sem nunca brotar.
Pensei nele como uma criança que tem o direito de ser feliz. Que tem o direito de ver florescer as inteligências que moram nele como sementes. Pensei, como educador, nas inteligências perdidas–milhares, milhões de sementes que nunca serão plantadas, inteligências que nunca verão o mundo, que nunca brincarão com as coisas. E, no entanto, elas estão lá, nas crianças.
Você sabe as causas da Guerra dos Cem Anos? Eu sei. Aprendi estudando com a minha filha, quando ela se preparava para o vestibular. Só que nem eu nem ela sabemos o que fazer com tal informação.
Schopenhauer chama a atenção para esse fato: que para ler é preciso parar de pensar para pensar os pensamentos de uma outra pessoa.
Mas muitos ficam bravos. Traziam, numa mala etiquetada de “boas obras”, todas as utilidades que haviam ajuntado. Queriam mostrá-las a Deus-Pai. Mas a Criança não se interessa pela mala. Os chegantes se sentem ofendidos. Desrespeito serem recebidos assim! Ficam desconfiados. Fecham a cara. Dizem que são pessoas sérias. Para isso foram à escola–para serem transformados de meninos em adultos. A Criança lhes sorri e lhes diz que, naquela escola, eles não passaram. Não podem entrar no Paraíso. Ficaram de DP. “Voltem quando tiverem deixado de ser adultos. Voltem quando tiverem voltado a ser crianças. Voltem quando tiverem aprendido a brincar…”
Pois o Natal é essa absurda inversão pedagógica: os grandes aprendendo dos pequenos. Um profeta do Antigo Testamento, certamente sem entender o que escrevia–os profetas nunca sabem o que estão dizendo–, resumiu essa pedagogia invertida numa frase curta e maravilhosa: “… e uma criança pequena os guiará” (Isaías 11.6). Se colocarmos esse moto ao pé da fotografia tudo fica ao contrário: é a criança que vai mostrando o caminho. O adulto vai sendo conduzido: olhos arregalados, bem abertos, vendo coisas que nunca viu. São as crianças que veem as coisas–porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas–as mais maravilhosas–ficam banais. Ser adulto é ser cego.
Os sábios veem o avesso. O avesso é este: os adultos são os alunos; as crianças são os mestres. Por isso os magos, sábios, deram por encerrada a sua jornada ao encontrarem um menininho numa estrebaria… No Natal todos os adultos rezam a reza mais sábia de todas, escrita pela Adélia: “meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande…”.
A máquina funciona como deve. O problema é que a comida que ela serve é imprópria para a inteligência. A questão não é mudar as panelas. A questão é mudar o menu.
Havia, certa vez, uma terra distante onde pianos maravilhosos eram fabricados. Os fabricantes de piano, envaidecidos por sua ciência quantitativa precisa, começaram a desprezar os pianistas, que tocavam movidos por razões qualitativas, indizíveis. Concluíram que os pianistas eram seres de segunda classe e terminaram por proibir que eles tocassem. E cunharam a frase clássica: “Fabricar pianos é preciso. Tocar piano não é preciso”.
O científico é fabricar pianos. O gostar de música não é científico.
As dores de parto são um sofrimento que faz sentido. “O prazer engravida mas é o sofrimento que faz parir”, diz o poeta William Blake.
Navegar é uma ciência. Quem navega tem de saber muito sobre os ventos, sobre os mares, sobre meteorologia, sobre astronomia, sobre a conservação dos cascos. Navegar faz sentido para quem vive à beira-mar. Mas ensinar a ciência da navegação para aqueles que moram nas montanhas não faz sentido. Nas montanhas não há mares. Sem uso, a ciência da navegação logo será esquecida. A construção de iglus é conhecimento vital para os esquimós. Se não souberem construir iglus eles morrem. Mas ensinar a ciência da construção de iglus aos moradores do deserto não faz sentido. No deserto não há gelo para se construírem iglus. Navegar é conhecimento. Construir iglus é conhecimento. Mas esses conhecimentos só fazem sentido e só são assimilados por aqueles que vão usá-los como ferramentas numa atividade prática. Conhecimento que faz sentido é conhecimento que é ferramenta. Todo conhecimento que não tem uma função prática, isto é, que não é usado como ferramenta, é logo esquecido e desaprendido.
A memória só carrega na sua mala aquilo que ela usa. A memória mora na ação.
Inteligência não é possuir todas as ferramentas. Inteligência é possuir poucas (para andar leve), e saber onde encontrar as que não se têm, na eventualidade de se precisar delas. Sabedoria não é ter. É saber onde encontrar.
Em nossas escolas é isso que se ensina: a precisa ciência da navegação, sem que os estudantes sejam levados a sonhar com as estrelas. A nau navega veloz e sem rumo.
Um amigo querido, Hugo Assmann, há anos, disse-me, com um sorriso: “Rubem, faz anos que você fala sempre sobre a mesma coisa”. É verdade. Não importa sobre o que eu esteja falando: eu falo sobre o tema que enche minha alma de alegria.
Os homens realistas, banqueiros, empresários, burocratas (lembram-se da lógica dos macacos?), ao verem o nosso sonho, dizem, com um sorriso de desdém: “Sonhador romântico! Os sonhos nunca se realizarão”. Respondo com um poeminha do Mario Quintana: “Se as coisas são inatingíveis… ora! / Não é motivo para não querê-las… / Que tristes os caminhos, se não fora / A mágica presença das estrelas!”.
Sabedoria de Nietzsche: “a única felicidade está na razão. A mais alta razão se encontra na obra do artista. Mas há algo que poderia resultar numa felicidade ainda maior: gerar e educar um ser humano”.
A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O mundo é maravilhoso, está cheio de coisas assombrosas. A contemplação das coisas assombrosas que enchem o mundo é um motivo de riso e felicidade.
Quem vê bem nunca fica entediado com a vida. O educador aponta e sorri–e contempla os olhos do discípulo. Quando seus olhos sorriem, ele se sente feliz. Estão vendo a mesma coisa. O fato de gastarmos horas na contemplação das imagens banais e grosseiras da televisão e de não gastarmos nenhum tempo comparável na contemplação dos assombros da natureza é uma indicação do ponto a que a nossa cegueira chegou.
Alberto Caeiro disse que a primeira coisa que o Menino Jesus lhe ensinou foi “a olhar para as coisas”. O Menino Jesus lhe “apontava todas as coisas que há nas flores” e lhe mostrava “como as pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas”. Ver bem é uma experiência mística, sagrada. Quando digo que minha paixão é a educação estou dizendo que desejo ter a alegria de ver: os olhos dos meus discípulos, especialmente os olhos das crianças.
Aristóteles estava certo ao iniciar a sua Metafísica dizendo que “todos nós temos, naturalmente, o desejo de entender”.
O mais alto sonho de Deus é um jardim. Essa é a razão por que no Paraíso não havia templos e altares. Para quê? “Deus andava pelo meio do jardim…”. Gostaria de saber quem foi a pessoa que teve a ideia de que Deus mora dentro de quatro paredes!
Walt Whitman tinha consciência disso quando disse: “sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo em minha alma…”.
Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é a forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade o meu corpo passa a ser morada do outro.
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