“Dias bárbaros: Uma vida no surfe” – William Finnegan

Livro que só não bateu a biografia do Kelly em termos de surf, muito bom apesar de longo e por vezes repetitvo. Seguem as melhores frases que apontei:

As manhãs em especial confundiam muito. Para conseguir surfar antes da escola, eu precisava estar na água ao nascer do sol. De acordo com a minha breve experiência, o mar devia estar liso ao amanhecer. Pelo menos na costa da Califórnia, o início das manhãs não costuma ter vento. Mas, aparentemente, não era o que acontecia nos trópicos.

Não havia muito surfe no bico da prancha, que, no continente, era a subespecialidade da moda na época e exigia caminhar, quando surgia a oportunidade, até a ponta da prancha — fazendo as manobras hanging five e hanging ten, desafiando a evidente física da flutuação e do deslize. Não sabia na época, mas o que eu estava testemunhando era o estilo clássico da ilha. Apenas retomei as anotações mentais da minha posição no canal e comecei, sem pensar, a caminhar menos para o bico da prancha.

Para eles, Waimea era um lugar real e algo extremamente sério. Você só surfava ali quando estivesse pronto. A maioria dos surfistas, é claro, nunca estaria. Porém, para garotos havaianos como eles, Waimea e outros extraordinários picos do North Shore estavam logo adiante, cada um como uma pergunta, um tipo de prova final.

Mas o surfe sempre tinha esse limiar, esse limite do medo que o tornava diferente das outras coisas, e sem dúvida dos outros esportes que eu conhecia. Você podia praticar com amigos, mas, quando as ondas ficavam grandes ou você se encrencava, nunca parecia haver ninguém por perto.

E vi um surfe naquele dia — de Leslie Wong e outros — que fez meu peito doer: longos momentos de graça sob pressão que pareciam gravados nas profundezas do meu ser; e era o que eu queria, de alguma forma, mais do que qualquer coisa. Naquela noite, enquanto minha família dormia, fiquei acordado no sofá de armação de bambu ouvindo a chuva, inquieto, o coração batendo com a adrenalina residual.

Havia um famoso feriado não oficial chamado Dia de Matar um Haole. Esse feriado provocava grande discussão, incluindo editoriais (contrários a ele) nos jornais locais, embora eu nunca tenha conseguido descobrir a data.

Ondas eram melhores que qualquer coisa nos livros e nos filmes, melhores até que um passeio na Disneyland, porque, com elas, a carga de perigo não era planejada. Era real.

Meu pai gostava de contar uma história sobre um dia em que desanimei. Ele ficara observando do calor do carro minha dificuldade no mar — eu o imagino fumando seu cachimbo e usando um suéter largo e macio de pescador. Voltei com os pés e joelhos sangrando, cambaleando pelas rochas, e larguei a prancha, humilhado e exausto. Ele me disse para voltar e pegar mais três ondas. Eu me recusei, mas ele insistiu. Falou que eu podia pegar de joelhos se necessário. Eu estava com muita raiva. Mas voltei lá e peguei as ondas e, na versão dele da história, foi nessa hora que me tornei um surfista. Se meu pai não tivesse me feito voltar naquele dia, eu teria desistido. Ele tinha certeza disso.

Eu não sonhava mais em vencer competições, como sonhara em arremessar para os Dodgers. O novo ideal emergente era a solidão, a pureza, ondas perfeitas longe da civilização. Robinson Crusoé, The Endless Summer. Era um caminho que afastava da cidadania, no sentido antigo da palavra, na direção de uma fronteira apagada, onde iríamos viver como bárbaros modernos. Não era o devaneio do vagabundo feliz. Era mais profundo que isso. Perseguir ondas com dedicação era algo fundamentalmente egocêntrico e ao mesmo tempo abnegado.

O contraste com a minha casa era, como sempre, enorme. Meus pais, por razões já mencionadas, bebiam muito pouco, eram cautelosos, sociais. Tinham muitos amigos que bebiam, e o armário de bebidas estava sempre abastecido, mas seus filhos não sentiam nem cheiro de vinho. Quando notei a abstinência deles na adolescência, identifiquei-a apenas como mais um dos sintomas de seu “jeito tenso”.

Quer dizer, eu estava melhorando constantemente desde que tinha começado e, aos quinze anos, embora ainda não fosse um competidor, era um moleque bom de surfe. Meu rápido progresso parou quando me interessei pelo restante do mundo.

Eu andava com dificuldade por dunas cobertas de vegetação baixa. O que, exatamente, eu estava fazendo? Tinha deixado meu verdadeiro amor sozinho em um lugar inóspito na Grécia, abandonada na estrada. Ela tinha dezessete anos, pelo amor de Deus. Nós dois tínhamos. Minha avidez por novas paisagens, novas aventuras, desapareceu em uma nuvem de fumaça amargurada enquanto eu ficava sentado entre arbustos na Turquia, sem me dar ao trabalho de montar acampamento.

A vida é uma comédia para aqueles que pensam e uma tragédia para os que sentem.

Minha mãe me levou ao aeroporto e me deu sua bênção com fervor inesperado. “Continue circulando por aí”, disse ela, segurando meu rosto e procurando algo no meu olhar. O que será que ela viu?

Enquanto isso, o surfe dele, mesmo quando Cliffs estava suave e na altura do peito, era glorioso. A velocidade, a força e a pureza de suas viradas eram de um nível que eu raramente tinha visto, a não ser em filmes. E ele não parecia fazer esforço. Glenn parecia brincar — com seriedade, respeito e alegria. Para mim, vê-lo surfar daquele jeito era uma epifania.

Vento maral estraga as ondas — atrapalha, faz com que esfarelem, enchendo a arrebentação de espuma.

O vento terral, como espero ter deixado claro, cobre as ondas de glória. Ele acerta a onda, segurando-a no alto e, evitando que quebre por uma fração de segundo crucial, a deixa mais oca e cria muito pouca ou nenhuma turbulência na face.

“Vocês só se preocupam em encontrar uma onda perfeita ou algo assim. Quer dizer, o que vão fazer se encontrarem essa onda? Surfar cinco ou seis vezes… e depois?” Era uma boa pergunta. Só podíamos torcer para que em determinado momento fôssemos forçados a responder a essa questão.

A velha masculinidade antiquada que muitas pessoas, inclusive eu, achavam atraente trazia consigo uma grande solidão.

A frustração é uma parte grande do surfe. É a parte que todos costumamos esquecer — sessões idiotas, ondas perdidas, ondas estragadas, calmarias aparentemente infinitas.

O fato de São Francisco ter algumas das melhores ondas da Califórnia foi um segredo por muitos anos.

Mark ficava irritado com minha suposta falta de seriedade e meu desleixo despreocupado em relação ao surfe. Não era eu o cara que tinha feito o grande safári, a circum-navegação em busca de ondas distantes? Sim, era. E ele era o cara que tinha ficado onde estava para fazer faculdade de medicina. Mas isso não significava que surfar fosse uma parte tão essencial da minha existência quanto era para Mark. Ele ficava horrorizado com a minha ambivalência em relação ao esporte que compartilhávamos. Era uma heresia. Surfar, para começo de conversa, não era um “esporte”. Era um “caminho”. E, quanto mais investia nele, mais você recebia em troca — o próprio Mark era uma prova exuberante disso.

Na verdade, eu não discordava. Chamar o surfe de esporte era interpretá-lo de maneira equivocada em quase todos os jeitos possíveis. E, sim, Mark me parecia um pôster ambulante e grande demais sobre as vantagens da obsessão pelo surfe. Mas eu temia o canto de sereia e as exigências incessantes que surfar acarretava. Eu relutava até em pensar sobre surfe mais que o necessário. Por isso, não queria uma prancha nova. E, de qualquer modo, não tinha dinheiro.

Ocean Beach tinha canais, mas eles mudavam muito de lugar. Você podia permanecer no quebra-mar o tempo que quisesse, mapeando com cuidado onde as ondas estavam quebrando, planejando uma rota infalível — toda aquela água que chegava à praia precisava voltar para o oceano de alguma forma, e era provável que cada onda escavasse um canal ao longo do caminho que havia tomado, onde, supostamente, menos ondas quebrariam —, e então correr para remar por ali, só para descobrir que as condições tinham mudado tão depressa que era impossível passar da arrebentação.

Acho que, para a maioria dos surfistas — para mim, com certeza —, as ondas têm uma dualidade assustadora. Quando se está absorto em surfá-las, elas parecem vivas. Têm personalidades distintas e intrincadas, além de estados de ânimo que mudam depressa, e é preciso reagir de modo intuitivo, quase íntimo — muita gente já comparou pegar onda com fazer amor. E, no entanto, as ondas obviamente não são vivas nem conscientes, e a amante para quem você estende os braços a fim de enlaçá-la pode se transformar em assassina sem mais nem menos. Não é nada pessoal. A onda mortífera que estripa a si mesma no banco de areia no inside não tem uma intenção sanguinária. Pensar dessa forma não passa de antropomorfismo. O amor pelas ondas é uma via de mão única.

O desdém de Mark pelo casamento e por filhos era ainda mais forte. “A regra sobre caras que se casam: a disposição deles para pegar ondas grandes cai um ponto na mesma hora”, dizia ele. “E cai outro ponto grande a cada filho. A maioria dos caras com três filhos não entra na água se as ondas estiverem com mais de um metro!”

Caroline e eu havíamos chegado ao baile juntos. Ninguém mais tinha como saber as coisas que sabíamos, a linguagem particular que havíamos construído. Antes de nos casarmos, terminamos e moramos separados por um tempo. Pareceu uma experiência de quase morte.

Selya tem um dos piores casos de febre do surfe que já vi. É insaciável: persegue qualquer indício de swell. Além disso, é viciado em vídeos de surfe, um conhecedor minucioso de grandes surfistas e grandes ondas, um estudante de técnica avançada. Ele espera de verdade que seu surfe melhore. E de fato melhora, a olhos vistos, ano após ano. Nunca testemunhei isso em ninguém depois da adolescência. Selya estava na casa dos trinta anos quando nos conhecemos e já era um surfista excelente, com um estilo ao mesmo tempo potente e delicado, mas, quando eu o elogio por uma onda bem surfada, ele diz coisas como: “Obrigado. É muito gentil da sua parte, mas preciso de mais verticalidade.”

O número de pessoas surfando dobrou e tornou a dobrar — uma estimativa de cinco milhões em todo o mundo em 2002, vinte milhões em 2010 —, com garotos começando a praticá-lo em quase todos os países com litoral, ou até mesmo apenas um lago grande. Mais que isso: a ideia do surfe se transformou em um fenômeno de marketing mundial.

Então, por que o fato de eu reconhecer aquele surfista pegando um tubo indonésio que me é familiar em um vídeo na Times Square importa? Porque, às vezes, sinto como se minha vida particular, um canto nada pequeno da minha alma, estivesse sendo utilizada para vender de tudo, de empréstimos pessoais a caminhonetes, em propagandas que aparecem em todo lugar para onde eu olho, incluindo, ultimamente, TVs de táxis.

É improvável que escolas de surfe para turistas acrescentem muitas caras novas aos picos crowdeados onde surfistas experientes disputam ondas escassas. Ainda assim, acho inquietante quando moradores aleatórios de Manhattan que por acaso conheço anunciam alegremente que surfam. Ah, sim, e eles dizem que aprenderam nas férias do verão passado na Costa Rica.

Percebi que, em uma entrevista para o The New York Times, Selya comparava a dança ao surfe: “Tanto com a música quanto com as ondas, a pessoa se submete a algo mais poderoso do que ela.” Achei que ele tinha razão.

Nós dois tivemos um momento engraçado no verão seguinte. Foi a última vez que ela foi à praia — uma tarde ensolarada e fresca em Long Island. Minha mãe estava tão frágil que a enrolamos em cobertores e a pusemos ao sol, fora do alcance da brisa, de frente para as ondas. Suas netas se encolheram em torno dela para aquecê-la. Comentei que, embora terríveis, as ondas pareciam surfáveis. O vento oeste levantava uma direita rápida da altura da cintura perto da areia. “Vá surfar”, disse ela. Eu não tinha uma prancha comigo, mas Colleen tinha um pranchão na caminhonete. Era pesada, grande e antiga, comprada em uma venda de garagem com propósitos indeterminados. Apesar de revirar os olhos, Caroline assentiu. Saí correndo e peguei algumas ondas. O pranchão era ideal para deslizar pela arrebentação perto da areia, e voei ao longo da praia, fazendo manobras à moda antiga nas ondinhas merrecas até bater na areia. Voltei correndo para nosso pequeno acampamento nas dunas. Os olhos azuis de minha mãe brilhavam. Senti-me como se tivesse dez anos — me exibindo para minha mãe —, e ela disse, com um sorriso: “Você estava igualzinho a quando era pequeno.” Era o pranchão antigo. Todos os outros estavam conversando e rindo. Será que alguém mais tinha visto minhas ondas? “Não”, respondeu minha filha. “Vá pegar outra.”

É impossível não odiar o modo como o mundo segue em frente.

Ele era motivado e tinha uma paciência infinita. Aperfeiçoou seu estilo, pegando mais pesado ao mesmo tempo que fazia tudo parecer fácil. Enxergava sutilezas de desempenho que eu não havia percebido em toda a minha vida. Segundo Selya, depois de uma onda bem-sucedida, caras da Costa Oeste passavam a mão no cabelo. Já os australianos afirmavam a mesma coisa limpando o nariz. Parecia bobo demais para ser verdade, porém, ao assistir a um vídeo de surfe, ele dizia: “Legal! Agora limpe o nariz.” E, bem na hora, o surfista fazia isso. “Estilo.”

Eu me amarro às pessoas sobre as quais quero escrever. Circulo junto com elas enquanto me explicam seu mundo. Então, em algum ponto, o texto é publicado, a reportagem sai, e nós terminamos. Desmontamos os cenários. Às vezes, permanecemos em contato e até nos tornamos amigos, mas isso é exceção.

Seinfeld se comparou a surfistas: “Por que eles fazem isso? Porque é puro. Você está sozinho. Aquela onda é muito maior e mais forte que você. Você está sempre em inferioridade numérica. Elas sempre podem esmagar você. E, ainda assim, você aceita isso e as transforma em uma forma de arte sutil, breve e insignificante.”