Li este livro aos poucos, pois mereceu ter sido degustado com calma.
O aclamado escritor libanês Khalil Gibran escreveu esta obra em 1931, e parece tão atual.
Cada mini capítulo (2-3 páginas) narra uma pessoa diferente, com um ponto de vista diferente, sobre Jesus de Nazaré – desde a infância até a ressureição. É como mergulhar na cabeça de pessoas que viveram naquela época e O viram de longe ou de perto. Anotei as melhores frases, mesmo que não tenha anotado os personagens-autores. Mesmo assim vale a pena!
Mas ao partir falaram comigo e disseram: “A criança ainda não tem um dia de idade, no entanto, vimos a luz de nosso Deus em Seus olhos e o sorriso de nosso Deus em Sua boca. Rogamos que o protejas para que Ele possa proteger todos vós”.
E a criança cresceu em corpo e espírito, e Ele era diferente das outras crianças. Era distante e difícil de controlar, e eu não conseguia colocar minha mão sobre Ele.
Em minha juventude escutei os oradores de Roma, Atenas e Alexandria. O jovem Nazareno era diferente deles todos. Eles reuniam suas palavras com arte para cativar os ouvidos, mas, quando O escutávamos, nossos corações pareciam partir para regiões ainda não visitadas.
Os oradores gregos e romanos falavam a seus ouvintes da vida como ela parecia à mente. O Nazareno falava de um desejo que se alojava no coração. Eles viam a vida com olhos apenas um pouco mais claros do que o seu e o meu. Ele via a vida à luz de Deus.
O ritmo de Seus passos era diferente do ritmo dos outros homens, e o movimento de Seu corpo não parecia com nada que eu tivesse visto antes. Os homens não andam sobre a terra daquela maneira. E mesmo agora não sei se Ele andava depressa ou devagar.
Quando Ele falou assim, eu e meu irmão nos levantamos perante Ele, e eu disse: “Mestre, nós Vos seguiremos até os confins da terra. E se a carga for tão pesada como uma montanha, vamos sustentá-la Convosco cheios de felicidade. E, se cairmos ao Vosso lado, saberemos que teremos caído na direção do céu, e estaremos satisfeitos”.
Era desejo deles levar-me à presença Dele como um teste e uma armadilha. Mas Jesus não me julgou. Ele fez que se envergonhassem os que queriam envergonhar-me, e os reprovou. Pediu-me que seguisse meu caminho. E depois disso o fruto sem sabor da minha vida tornou-se doce à minha boca, e os botões sem perfume tornaram-se fragrâncias às minhas narinas. Tornei-me uma mulher sem a memória atormentada e libertei-me; minha cabeça não mais se curvou.
Jesus comeu nossa comida, bebeu nosso vinho e sorriu para mim e para os outros. E prestou atenção a todas as canções do amante trazendo sua amada para a tenda; e do jovem administrador da vinha que amava a filha do dono e levou-a até a casa de sua mãe; e do príncipe que encontrou a mendiga, levou-a para seu reino e a coroou com a coroa de seus pais. E parecia que ele estava ouvindo também outras canções, que não pude ouvir.
E até o dia de hoje em nossa vila, e nas vilas vizinhas, a palavra de nosso convidado ainda é lembrada. Dizem: “O espírito de Jesus de Nazaré é o melhor e mais antigo vinho”.
Enquanto recordasse Suas palavras, nenhum outro homem poderia parar-me, mesmo que levasse todas as minhas posses. Pois, embora eu guarde minhas posses e também minha pessoa, sei onde está o tesouro maior.
Assim falou Jesus, e era meu desejo cair de joelhos e adorá-Lo; ainda assim em minha timidez não consegui mover-me ou dizer uma só palavra. Mas finalmente falei, e disse: “Queria
Muitas vezes o Cristo veio ao mundo, e Ele caminhou por muitas terras. E sempre Ele foi chamado de estranho e de louco. Ainda assim o som da voz Dele nunca desceu ao vazio, pois a memória do homem mantém aquilo que sua mente não se importa em manter.
Se soubesse que aquele jovem com um serrote e uma plaina era um profeta, eu teria suplicado a Ele que falasse em vez de trabalhar, e teria pago muito mais pelas palavras. Agora ainda tenho muitos homens trabalhando em minha casa e em meus campos. Como posso distinguir o homem cujas mãos estão em suas ferramentas daqueles sobre cujas mãos Deus pousa Sua mão? Como posso conhecer a mão de Deus?
Jesus ficou em silêncio por um instante. Depois sorriu para mim e disse: “Espera aqui enquanto encontro tua ovelha”. E afastou-se, desaparecendo entre as colinas. Depois de uma hora Ele retornou, e minha ovelha estava perto Dele. E, quando parou a meu lado, a ovelha olhava o rosto Dele ao mesmo tempo que eu. Então eu a abracei, contente. E Ele colocou a mão em meu ombro e disse: “Deste dia em diante amarás essa ovelha mais do que qualquer outra em teu rebanho, pois estava perdida e agora foi encontrada”.
Nós, que conhecemos Jesus e ouvimos seus discursos, dizemos que Ele ensinou o homem como quebrar as correntes que o prendem para que possa livrar-se de seus dias passados.
Muitas vezes me perguntei se Jesus era um homem de carne e osso como nós, um pensamento sem corpo na mente ou, ainda, uma ideia que visita as visões do homem. Muitas vezes parece que Ele foi um sonho sonhado por incontáveis homens e mulheres ao mesmo tempo num sono mais profundo que o sono e numa aurora mais serena que todas as auroras. E parecia que ao relatar esse sonho, de um para outro, começamos a julgar que fosse realidade como se realmente tivesse acontecido; e, ao dar corpo para nossa fantasia e uma voz para nossos desejos, tornamos tudo uma substância feita da nossa substância. Mas na verdade Ele não foi um sonho. Nós O conhecemos por três anos e O contemplamos com nossos olhos abertos à luz do meio-dia. Tocamos as mãos Dele e O seguimos de um lugar até outro. Ouvimos Seus discursos e testemunhamos Seus feitos. Pensais que éramos um pensamento buscando mais pensamento, ou um sonho na região dos sonhos? Grandes eventos parecem alheios às nossas vidas cotidianas, embora sua natureza possa estar enraizada em nossa natureza. Mas, apesar de parecerem repentinos em sua vinda e súbitos em sua passagem, sua dimensão verdadeira é preparada por anos e gerações. Jesus de Nazaré era Ele mesmo o Grande Evento.
para sempre eu desejei alegrar-me com a primavera, mas nunca pude. Mas quando Jesus veio às minhas estações ele foi sem dúvida a primavera, e Nele estava a promessa de todos os anos que virão. Ele encheu meu coração de alegria; e como as violetas que plantei, uma coisa tímida, à luz da chegada Dele.
Para falar sobre o discurso de Jesus é preciso ter esse discurso ou o eco resultante. Suplico-vos que me perdoeis por começar uma história que não posso terminar. Mas o final ainda não atingiu meus lábios. Ainda é uma canção de amor ao vento.
Ele vivia tão livre e sem responsabilidades quanto os pássaros do ar, por isso seus caçadores O abateram com flechas.
Muitas vezes Ele parecia triste, mas Sua tristeza parecia ternura mostrada aos que sofriam e camaradagem oferecida aos solitários. Quando Ele sorria, Seu sorriso era a ânsia daqueles que procuram o desconhecido. Era como a poeira das estrelas caindo sobre as pálpebras das crianças. E era como um pedaço de pão na garganta. Ele era triste, e ainda assim era uma tristeza que aflorava aos lábios e tornava-se um sorriso.
Ele era um poeta. Ele via por nossos olhos e ouvia por nossos ouvidos, e nossas palavras silenciosas estavam sobre Seus lábios, e Seus dedos tocaram o que não podíamos sentir.
Amava uma romã ou uma taça de vinho dada a Ele por amabilidade; não importava se fosse oferecida por um desconhecido na estalagem ou por um anfitrião rico. E Ele amava os botões das amendoeiras. Eu O vi recolhendo-os nas mãos e cobrindo o rosto com as pétalas, como se abraçasse com Seu amor todas as árvores do mundo.
Ele conhecia os mares e os céus; falava das pérolas que possuem uma luz que não é dessa luz, e das estrelas que estão além de nossa noite. Ele conhecia as montanhas como as águias as conhecem e os vales como são conhecidos por riachos e regatos. E havia um deserto em Seu silêncio e um jardim em Seu falar. Sim, Ele era um poeta, cujo coração estava num caramanchão além das alturas, e Suas músicas, embora cantadas para nossos ouvidos, também eram cantadas para outros ouvidos, e para homens numa outra terra cuja vida é eternamente jovem e cujo tempo é sempre de amanhecer.
Então Jesus deitou-se outra vez na grama, estendeu Seus braços e novamente olhou para as estrelas. Era tarde. E eu não estava deitado longe Dele, e de bom grado teria dormido, porém havia uma mão batendo às portas de meu sono e permaneci acordado até que Jesus e a aurora me chamassem outra vez para a estrada.
Na verdade, olhamos, mas não enxergamos, apuramos os ouvidos, mas não escutamos; comemos e bebemos, mas não saboreamos. E aí reside a diferença entre Jesus de Nazaré e nós mesmos. Os sentidos Dele continuamente se tornam novos, e o mundo para Ele é sempre um novo mundo. Para Ele os balbucios de um bebê não eram menores que os clamores de toda a humanidade, enquanto para nós são apenas balbucios. Para Ele a raiz de um ranúnculo era uma ânsia de Deus, enquanto para nós nada mais é além de uma raiz.
Muitos, realmente, são as corujas que não conhecem canção alguma a não ser o próprio pio.
Eu falaria do rosto Dele, mas como posso? Era como a noite sem escuridão e como o dia sem os ruídos do dia. Era um rosto triste, e era um rosto alegre. E me lembro bem de como uma vez Ele ergueu Sua mão na direção do céu e Seus dedos separados eram como os galhos de um olmo. Lembro-me Dele andando à noite. Ele não caminhava. Ele mesmo era o caminho sobre a estrada; mesmo quando a nuvem sobre a terra descia para refrescar a terra. Mas, quando eu ficava à Sua frente e falava com Ele, era um homem, e Seu rosto era poderoso de se contemplar. E Ele disse para mim: “O que faria, Miriam?”. Eu não respondia, mas minhas asas envolviam meu segredo, e eu sentia calor. E como não conseguia suportar a luz Dele, voltava-me e afastava-me, mas não envergonhada. Apenas ficava tímida e gostava de estar sozinha, com os dedos Dele tocando as cordas de meu coração.
Abandonai vossas harpas e reuni-vos ao meu redor, vou repetir as palavras Dele para vós, e vou contar sobre os feitos Dele, pois o eco da voz Dele ainda é mais profundo que nossa paixão.
Em Nazaré vive um Poeta, e Seu coração é como o lótus. Ele visitou a alma da mulher, Ele conhece sua sede em crescer para fora das águas, e sua sede por sol, embora todos os seus lábios estejam alimentados. Dizem que Ele caminha pela Galileia. Eu digo que Ele está remando conosco. Não podes enxergar-Lhe o rosto, meu amor? Não podes ver onde o salgueiro se inclina e encontra seu reflexo, Ele Se movendo à medida que nos movemos?
Em todos os aspectos do dia Jesus estava consciente do Pai. Ele O contemplava nas nuvens e na sombra das nuvens que passam sobre a terra. Ele via o rosto do Pai refletido nas poças calmas e a leve impressão de Seus pés na areia; e frequentemente cerrava Seus olhos para contemplar os Olhos Sagrados.
A amargura da morte é menos amarga que a vida sem Ele.
Quando tinha doze anos de idade, um dia Ele levou um cego a atravessar o riacho para a segurança da estrada. E, por gratidão, o homem perguntou: “Menino, quem és tu?”. E Ele respondeu: “Eu não sou um menino. Sou Jesus”. E o homem cego disse: “Quem é teu pai?”. E Ele respondeu: “Deus é meu pai”. O cego riu, e respondeu: “Muito bem dito, meu menino. Mas quem é tua mãe?”. E Jesus respondeu: “Não sou seu menino. E minha mãe é a terra”. O cego então disse: “Então vejamos, fui acompanhado pelo Filho de Deus e da terra para atravessar o riacho”. E Jesus respondeu: “Vou conduzir-te onde quer que vás, e meus olhos irão acompanhar teus pés”.
Eu também morri. Mas na profundidade do meu esquecimento eu O ouvi falar e dizer: “Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. E Sua voz procurou meu espírito afogado e fui trazido de volta à costa. Abri os olhos e vi Seu corpo branco suspenso contra a nuvem, e as palavras Dele que ouvi tomaram forma dentro de mim, e tornei-me um novo homem. Não senti mais tristeza. Quem se sentiria triste por um mar que está revelando sua face ou por uma montanha que sorri ao sol?
As estações cansariam e os anos envelheceriam antes de exaurir estas palavras: “Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. Tu e eu, embora possamos nascer muitas vezes, vamos mantê-las. E agora vou para minha casa, e permanecerei um mendigo sublime, à porta Dele.
Sei que Ele falava de amor porque havia uma melodia em Sua voz; e sei que Ele falava de força porque havia exércitos em Seus gestos. E Ele era manso, embora nem mesmo meu marido conseguisse falar com tamanha autoridade. Quando Ele me viu passando, parou de falar por um instante e olhou-me bondosamente. Senti-me humilde; e em minha alma sabia que tinha passado por um deus. Depois desse dia a imagem Dele visitou minha privacidade, quando eu não seria visitada por nenhum homem ou mulher; e Seus olhos buscavam minha alma quando meus próprios olhos estavam fechados. E Sua voz controlava a tranquilidade de minhas noites. E fiquei em jejum para sempre; e havia paz em minha dor e liberdade em minhas lágrimas.
Amada amiga, nunca viste aquele homem, e nunca O verás. Ele se foi, para além de nossos sentidos, mas, de todos os homens, Ele é o que agora está mais perto de mim.
Quando O pregaram à cruz, fiquei lá. Vi e ouvi, mas parecia estar fora de meu corpo. O ladrão que foi crucificado à direita Dele disse: “Estás sangrando comigo, até Tu, Jesus de Nazaré?”. E Jesus respondeu, dizendo: “Se não fosse por esse cravo que prende minha mão, eu a estenderia e seguraria tua mão. Estamos crucificados juntos. Gostaria que tivessem erguido tua cruz mais próxima à minha”.
Então novamente Ele disse com voz forte: “Pai, em Vossa mão entrego meu espírito”. Finalmente, levantou a cabeça e disse: “Agora está terminado, mas apenas sobre esta colina”. E fechou os olhos. Então os raios percorreram os céus escurecidos, e houve um grande trovão.
olhou gentilmente para nós, e disse: “Tirai vossas sandálias”. Não entendemos, mas, ao pedido Dele, as retiramos. Então o estalajadeiro trouxe a bacia e o jarro; e Jesus disse: “Agora vou lavar vossos pés. Pois preciso retirar deles a poeira da estrada antiga e dar-lhes a liberdade do novo caminho”.
Jesus respondeu: “Não permiti que vosso coração se preocupe. Apenas vos deixo para preparar um lugar para vós na casa de Meu Pai. Mas, se precisardes de Mim, retornarei a vós. Quando Me chamardes, lá Eu escutarei, e onde quer que vosso espírito Me procure, lá estarei. Não esqueçais que a sede leva à prensa de vinho e a fome leva ao banquete de casamento. É em vosso desejo que encontrarão o Filho do Homem. Pois o desejo é o manancial do êxtase, e é o caminho para o Pai”.
Agora, o homem cuja cruz carreguei tornou-se minha cruz. Se me dissessem outra vez: “Carregue a cruz deste homem”, eu a carregaria até minha estrada terminar na sepultura. Mas eu suplicaria a Ele que colocasse a mão em meu ombro. Isso aconteceu muitos anos atrás; e ainda quando sigo os sulcos no campo, e no momento sonolento antes de dormir, sempre penso naquele Homem Amado. E sinto Sua mão alada, aqui, em meu ombro esquerdo.
Odiais Jesus porque alguém do País do Norte disse que Ele era o Filho de Deus. Mas odiais um ao outro porque cada um de vós julga a si mesmo grande demais para ser irmão de vosso próximo.
Mestre, Mestre Poeta, Mestre das palavras cantadas e faladas, eles construíram templos para abrigar Vosso nome, e em cada torre levantaram Vossa cruz.
Mestre, Mestre Cantor, Vossas lágrimas são como as chuvas de maio, e Vosso riso, como as ondas do mar branco. Quando falastes, Vossas palavras foram o sussurro distante dos lábios deles quando tais lábios deveriam ser alimentados com fogo; ristes pelo tutano dos ossos deles que ainda não estava pronto para o riso; e chorastes, pois os olhos deles ainda estavam secos.
São como os pássaros do céu e como os lírios do campo. Vivem Vossa vida, pensam Vossos pensamentos e ecoam Vossa canção. Mas estão de mãos vazias, e não estão crucificados com a grande crucificação, no interior há a dor deles. O mundo os crucifica todos os dias, mas apenas de formas menores. O céu não é abalado, e a terra não se angustia com seus mortos. São crucificados e não há ninguém para testemunhar a agonia deles. Voltam a face para a direita e para a esquerda, e não encontram ninguém para prometer um lugar no reino deles. Ainda assim, crucificam-se e voltam a crucificar-se. Que Vosso Deus possa ser o Deus deles e Vosso Pai, o Pai deles.
Poeta, Cantor, Coração Imenso, possa nosso Deus abençoar vosso nome, e o ventre que Vos abrigou, e os seios que Vos deram o leite. E possa Deus perdoar a nós todos.