Sant’ana, um gênio da crônica, do rádio e do jornal!
Integrante polêmico do Sala de Redação, Jornal de Almoço e muitos outros programas, é um cara que vim a conhecer no fim de sua vida.
Cronista de primeira categoria, reúne nesses 2 livros – “O Gênio Idiota”, de 1997 e “Eis o Homem”, de 2010, as melhores crônicas até então, com seu sarcasmo peculiar.
Faleceu em 2017 deixando o jornalismo esportivo órfão de um personagem carismático dos poucos que nos restaram.
O Gênio Idiota
- A paixão é uma doença que só pode ser curada pelo casamento
- Mas agora falando sério: eu só gosto de falar sobre assunto de que tenho total conhecimento. E acaso existe assunto que eu conheça melhor, em que eu seja maior autoridade, do que eu mesmo?
- Eu sou assim quem sou por serem eles quem teimam ser
- A pequena e crescente dor é de ausência. Faltam-me as pessoas. A quem, quando estou aí, muitas delas talvez não procure com tanta frequência. Mas aquela certeza de que a qualquer momento que quiser estar com elas poderei fazê-lo, é essa tranquilidade que a distância me roubou. Mas falta-me também o beijo, a palavra, o olhar.
- Faltam-me as pessoas do meu mundo e do curso da minha vida. Falta-me o calor de uma pele e o papo da roda de amigos no bar. Falta-me o banho matinal com a expectativa de que um grande amor se revigorará ou nascerá durante o dia.
- O Cândido Norberto é que gosta muito de usar uma definição que encontrou não sei onde para chato: “É aquele que nos tira da solidão sem nos fazer companhia”.
- Beber é alhear-se da chateação e rotina gerais. Ou, como disse o George Jean Nathan: “Bebo para tornar as outras pessoas interessantes”
- Eu não queria ir porque só agora percebo, enfim, que sou inexoravelmente só daqui. E que sou tanto raiz de minha aldeia que não me fascinam os caminhos do mundo.
- Ele era disparado a maior figura popular de Porto Alegre
- As cidades são tão mais ricas quanto mais possuem tipos humanos como Bataclan e ficam tão mais tristes quando os vão perdendo
Eis o Homem
- Não existem mais os coqueiros da Rua dos Coqueiros, os coqueiros de Jaguari, os coqueiros do Partenon, mas cravam-se na minha mente e no meu coração, como marcas indeléveis de um tempo que corria célere, e só agora tenho consciência de que era feliz, pois não continha sequer a incerteza com o futuro, junto com a inexistência do passado: o largo e inconfundivelmente paradisíaco tempo de infância, sem planos, sem inveja, sem comparações, sem ambição e sem ressentimento. É tão pura, genuína e virginal a infância, que só muito tempo depois dela eu fui saber que havia pobres e ricos, que havia ódio e traição, todas essas sombras que, embora existentes ao redor de uma criança, são absolutamente imperceptíveis a ela.
E não me sai da cabeça a metade de caule daquele coqueiro que ainda lá nas Bananeiras resiste, a me empurrar para a recordação deliciosa daquela encantadora época da inocência.
- Na vida, a fantasia sempre dá de goleada em prazer na realidade.
- Eu aprendi a ler com milhares dessas revistas, que eu trocava com meus amigos de infância. Não havia nada mais saboroso do que ir pra casa à tardinha com uma pilha imensa de quadrinhos, devorando-os durante três ou quatro horas. É por isso que eu gosto tanto de ler. Ninguém foge, mesmo que imperceptivelmente, da infância. Nós somos exatamente o que nos plasmou a nossa infância.
- Nisso consiste o drama dos adultos e a felicidade das crianças: estas últimas se contentam com pouco, nós, marmanjos, queremos demais, solução para todos os problemas – e não há Papai Noel que resista a tamanha exigência. Não há Papai Noel para mim porque o que me fará feliz é impossível de realizar-se. Ou melhor, talvez eu seja feliz e não perceba: com o que possuo, uma criança se realizaria. Mas é que, à medida que amadurecemos, alargam-se os nossos pedidos, a incerteza do futuro faz-nos mais ambiciosos, o que não passa pela cabeça de uma criança, que se torna imensamente feliz diante do simples atendimento de seu presente de Natal.
- Minha vida é hoje quase só esses farrapos de belas lembranças.
- Eu juro que esta semana vou aí te dar um beijo de desafogo desta saudade abrasada. Que vão às favas dos meus deveres. Meu único dever é com o meu coração.
- Se existe céu, me encontrarei sem dúvida com elas lá no paraíso.
- Às vezes, eu sinto que a vida ficou pior ou menos atrativa porque não existe mais o Bauru do Matheus.
- É interessante como a morte teima em se intrometer com a vida. E, como a nos dar um safanão pelo entusiasmo dos anúncios de um grande verão, contidos no sol escaldante da primavera tardia, envia-nos até o cemitério, onde fomos anteontem despedir-nos do grande amigo Joel Silveira. O Joel era uma dessas pessoas que só a morte aquieta. Um desses agitadores que insistem em viver a vida em toda a sua plenitude, caçoando, brincando, driblando os infortúnios.
- O Gre-Nal é a festa maior do Rio Grande do Sul. É o nosso maior rodeio, o pico da nossa emoção cívica, um jogo que incendeia os fanáticos, mas não deixa de tocar a alma até dos que não gostam de futebol. Para o Estado para conhecer o resultado daquela minha expectativa de adolescente e esta minha esperança sólida de homem maduro: quem ganhará o Gre-Nal? Este jogo acompanha os gaúchos na sua senda pela existência, como se fosse um componente químico da sua epiderme. Não há como desconhecê-lo. Ele é a nossa fonte inesgotável de alegrias e tristezas.
E que há de diferente na vida dos humanos que não seja a alegria e a tristeza? Esta imutabilidade rege a mágica do Gre-Nal.