“Sidarta” (Herman Hesse) – Frases de Livros

À sombra da casa , ao sol da ribeira , perto dos barcos , na penumbra do salgueiral , ao pé da figueira , criou – se Sidarta

Assim todos amavam Sidarta . A todos causava ele alegrias . Para todos , era fonte de prazer . Mas a si mesmo , Sidarta não se dava alegria .

Que versos maravilhosos ! “ Tua alma é o mundo inteiro ” — rezava um deles e estava escrito que o homem durante o sono , o sono profundo , entrava no próprio âmago e habitava o Átman .

— Com a vossa permissão , meu pai . . . Vim dizer – vos que é meu desejo abandonar amanhã esta casa e encaminhar – me aos ascetas . Almejo tornar – me um samana . Oxalá meu pai não se oponha à minha intenção . O brâmane manteve – se calado e assim ficou por tanto tempo que na janelinha as estrelas mudaram de posição , tomando outro aspecto , antes que o silêncio que pairava na salinha chegasse a seu fim . Silencioso , imóvel , de braços cruzados , conservava – se o filho ; silencioso , imóvel , conservava – se o pai na esteira ; e as estrelas singravam pelo céu .

O pai colocou a mão no ombro do filho . — Hás de embrenhar – te no mato — disse — para que possas ser um samana . Se encontrares a felicidade no mato , volta e ensina – me .

Um único objetivo surgia diante de Sidarta ; o objetivo de tornar – se vazio , vazio de sede , vazio de desejos , vazio de sonhos , vazio de alegria e de pesar . Exterminar – se distanciando – se de si mesmo ; cessar de ser um eu ; encontrar sossego , após ter evacuado o coração ; abrir – se ao milagre , com o pensamento desindividualizado — eis o que era o seu propósito .

Os samanas ensinavam muita coisa a Sidarta e ele aprendia numerosos métodos de separar – se do eu . Trilhava a senda da desindividualização , através da dor , através do tormento voluntário e do triunfo sobre o sofrimento , sobre a fome , a sede , o cansaço . Desindividualizava – se , mediante a meditação , tirando do seu espírito toda e qualquer representação , até deixá – lo vazio .

Aprendia a percorrer esse e outros caminhos , saindo inúmeras vezes do próprio eu e conservando – se no não eu , horas e dias a fio .

O que é a meditação ? O que é o abandono do corpo ? Que significa o jejum ? E a suspensão do fôlego ? São modos de fugirmos de nós mesmos . São momentos durante os quais o homem escapa à tortura de seu eu . Fazem – nos esquecer , passageiramente , o sofrimento e a insensatez da vida .

alcançou – os por estranhos caminhos e desvios uma nova , um boato , um mito , a afirmar que acabava de surgir uma pessoa de nome Gotama , o Sublime , o Buda , aquele que dominara em si mesmo o sofrimento do mundo e fizera parar a roda das ressurreições .

Assim caminhava Gotama , rumo à cidade , para pedir esmolas e os dois samanas identificavam – no unicamente pela perfeição da serenidade , pela calma da aparência , que não deixava perceber nem ambição , nem vontade , nem arremedo , nem esforço , senão apenas luz e paz .

Clara e branda , a voz pairava por cima dos ouvintes , como uma luz , como um firmamento estrelado .

Olhou o mundo a seu redor , como se o enxergasse pela primeira vez . Belo era o mundo ! Era variado , era surpreendente e enigmático ! Lá , o azul ; acolá , o amarelo ! O céu a flutuar e o rio a correr , o mato a eriçar – se e a serra também ! Tudo lindo , tudo misterioso e mágico ! E no centro de tudo isso achava – se ele , Sidarta , a caminho de si próprio . Todas essas coisas , esses azuis , amarelos , rios , matos , penetravam nele pela primeira vez , através dos seus olhos .

SEGUNDA PARTE

Tudo isso existira em todos os tempos , e todavia escapara a Sidarta . Ele não estivera presente . Nesse instante , porém , estava presente , fazia parte dos acontecimentos . Pelos seus olhos passavam luzes e sombras . Os astros e a lua entravam no seu coração .

Cada um pode ser feiticeiro . Todas as pessoas são capazes de alcançar os seus objetivos , desde que saibam pensar , esperar , jejuar .

“ Escrever é bom . Pensar é melhor . A inteligência é boa . A paciência é melhor . ”

Por muito tempo , Sidarta ia vivendo a vida do mundo e dos prazeres , sem todavia pertencer a ela .

O rio opunha – se a eles e o balseiro tinha a incumbência de ajudá – los a vencer o mais depressa possível o obstáculo . Mas houve alguns entre esses milhares , uns poucos , quatro ou cinco talvez , para os quais o rio cessou de ser um estorvo . Escutaram a sua voz , prestaram atenção ao que ele dizia , e o rio tornou – se – lhes sagrado , assim como chegou a ser para mim .

Dia a dia , o seu sorriso assemelhava – se mais ao do balseiro , chegando , quase , a irradiar a mesma luminosidade , a resplandecer de quase igual ventura , a luzir , tal e qual o do companheiro , através de milhares de ruguinhas ; era o sorriso de uma criança e de um ancião também . Muitos viajores , ao avistarem os dois balseiros , tomavam – nos por irmãos .

Luminosamente resplandecia o sorriso do balseiro , pairando por cima das inúmeras rugas do semblante idoso , assim como o Om pairava por cima de todas as vozes do rio . Luminosamente resplandecia o seu sorriso enquanto fitava o amigo e com igual clareza luzia no rosto de Sidarta o mesmo sorriso . Sua ferida desabrochava como uma flor . Sua mágoa fulgia . Seu eu incorporara – se na unidade . Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino . Cessou de sofrer . No seu rosto florescia aquela serenidade do saber , à qual já não se opunha nenhuma vontade , que conhece a perfeição , que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida ; a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos , entregue à corrente , pertencente à unidade .

Dirijo – me à selva . Busco a unidade — respondeu Vasudeva , radiante . E radiante se foi . Sidarta acompanhou – o com o olhar , e nos seus olhos havia infinita alegria , infinita gravidade , enquanto observava o andar calmo , a cabeça aureolada , o vulto envolvido em luz .

Quando alguém procura muito — explicou Sidarta — pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz de achar o que quer que seja , tornando – se inacessível a tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele objeto , e porque tem uma meta , que o obceca inteiramente . Procurar significa : ter uma meta . Mas achar significa : estar livre , abrir – se a tudo , não ter meta alguma . Pode ser que tu , ó Venerável , sejas realmente um buscador , já que , no afã de te aproximares da tua meta , não enxergas certas coisas que se encontram bem perto dos teus olhos .

a sabedoria não pode ser comunicada . A sabedoria que um sábio quiser transmitir sempre cheirará a tolice .

Os conhecimentos podem ser transmitidos , mas nunca a sabedoria . Podemos achá – la ; podemos vivê – la ; podemos consentir em que ela nos norteie ; podemos fazer milagres através dela . Mas não nos é dado pronunciá – la e ensiná – la .

tenho para mim que o amor é o que há de mais importante no mundo . Analisar o mundo , explicá – lo , menosprezá – lo , talvez caiba aos grandes pensadores . Mas a mim me interessa exclusivamente que eu seja capaz de amar o mundo , de não sentir desprezo por ele , de não odiar nem a ele nem a mim mesmo , de contemplar a ele , a mim , a todas as criaturas com amor , admiração e reverência .

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *