Como prevenir “passadas de perna” em modelos de negócio marketplace?

O ano era 1941.

Walt Disney, quatro anos depois da estreia de “Branca de Neve e os Sete Anões”, visitava alguns países da América Latina para reforçar a chamada “política da boa vizinhança”, a pedido do governo Roosevelt.

Querendo criar um personagem que concretizasse o estilo de vida percebido no Brasil, ele escolheu o papagaio (um animal, muitas vezes safo e preguiçoso), e nascia o famoso Zé Carioca.

Zé é um personagem único!

  • Malandro (passa a perna nas pessoas)
  • Egoísta (só pensa em si, e não no coletivo)
  • Desonesto (chega a furar fila)
  • Dentre outras denominações…

Marketplaces e “passadas de perna”

Marketplace (ou um modelo de negócio On-Demand) é o tipo de negócio onde existe um comprador e um interessado: a buyer and a seller:

Desde apartamentos para aluguel (Airbnb), contratação de desenvolvedores (Geekhunter) até encontrar um bom cozinheiro para seu evento particular (MeuBistrô). Com certeza você já se deparou com uma empresa com um modelo de Marketplace!

(Escrevi sobre “Como trabalhar com Customer Success em empresas On-Demand”, depois confira neste link).

O que muita gente não percebe, ou não quer perceber é que uma das maiores diferenças entre um modelo de negócio Marketplace para um SAAS (Software as a Service) que conta com receita recorrente mensal, ou anual, e não sob demanda, é a possibilidade de “passadas de perna” que aqui chamarei de by-pass.

By-pass pode ser entendido como o comprador ir direto para o seu alvo ao invés de utilizar o Marketplace como meio para conseguir aquilo.

Precisa de exemplos? Me permita utilizar os mesmos de anteriormente:

  • Tentar alugar o apartamento direto com o proprietário, mesmo que tenha achado no Airbnb;
  • Tentar contratar um desenvolvedor indo falar com o mesmo, ao invés de o fazer via plataforma GeekHunter;
  • Tentar contatar o cozinheiro por fora da plataforma MeuBistrô.

Meus caros, o Zé Carioca voltou, desta vez para passar a perna no setor de tecnologia. E são muitos!

Desta forma, muitas empresas de Marketplace com uma ideia ótima, uma equipe engajada, podem afundar, como esta figura meramente ilustrativa dando exemplo do faturamento de uma startup:

Você é empreendedor, gosta de estudar tech ou tem uma startup que utiliza do modelo de negócio Marketplace e sofre com isso?

Estudei diferentes formas de evitar o by-pass através de um benchmark com outras empresas do setor e compartilho neste post. (lembrando: nem todos servem para todas as empresas, portanto, fiquem atentos ao que pode lhes interessar).

9 formas de evitar o by-pass em empresas

Normalmente, Marketplaces conseguem reduzir o by-pass de diversas formas, incluindo incentivos para permanecerem na plataforma e/ou punições para os que dão uma de espertos.

Vamos à eles.

a) Incentivos: stay with us!

1.Conexão próxima e fácil por parte do buyer, com o Marketplace

Uma empresa de Marketplace americana que faz a ponte entre quem necessita de manufatura (buyer) e trabalhadores (seller), Factoryfix.com, dá uma aula neste quesito.

Eles permitem, dentro da própria plataforma, que a figura do buyer e do sellerse comuniquem, otimizando tempo e evitando riscos de by-pass:

2.Conexão salame entre buyer e seller

É, eu podia ter escolhido um nome melhor. Mas dessa maneira dá para decorar de forma mais simples.

Uma conexão salame é feita… cortada em partes!

O Airbnb, por exemplo, não permite que algum usuário não cadastrado veja certos dados de apartamentos e do locatário. É cadastrar para conseguir olhar o todo, ou nada.

Quando tentamos clicar em “Pedir para reservar” ou “Fale com o anfitrião”, a pop-up aparece:

O LoveMondays, Marketplace que traz informações relevantes sobre empresas, tais como: opiniões, salários e afins, também pega essa carona, quando o usuário tenta ver mais opiniões sobre alguma empresa:

Ou seja, a ideia é restringir — fidelizar — fisgar — completar a ação, dentro da plataforma, claro.

3.Pedir fee mínimo ou outra forma oficial para acesso completo

Outra alternativa é pedir uma quantia (fee) para que o buyer tenha o acesso completo e consiga ver todas as informações.

Ou seja, outra espécie de conexão salame, mas agora com alguma quantia a ser combinada. Botando a transação à frente da conexão, muitas empresas acham um modelo de Marketplace mais previsível (e por consequência escalável).

Isso pode ajudar a gerar credibilidade e seriedade às ações.

4.Repensar a precificação

Além do fee mínimo, a questão da precificação pode valer a pena.

Não estou propondo: “Joguem tudo pro alto e virem SAAS!”, mas sim uma proposta que possa valer a pena para um Marketplace.

Uma plataforma que permite que o buyer deposite uma certa quantia da transação é uma ideia interessante, afinal é mais fácil de gerar confiança em ambos os lados.

O Marketplace de camping do Reino Unido, Pitchup é um exemplo. Ele usa o depósito de uma parte da quantia como o fee, ou seja, uma forma de precificação obrigatória:

Legal, não?

5.Construção de reputação

Uma forma interessante é a de premiar os buyers por ações positivas no Marketplace, como no Uber: tanto o motorista quanto o passageiro ganham um NPS (Net Promote Score) recebendo avaliações.

Quanto mais reputação é gerada (positivamente) mais um buyer, e em muitos casos, um seller vão utilizar o Marketplace e querer realizar mais ações, evitando, por consequência, o by-pass.

6.Reduzir fee’s com volume

A regra é simples: quanto mais alguém utiliza o Marketplace, mais barato fica o investimento necessário para aquela ação, seja do buyer, do seller ou de ambos.

Claro, por vezes pode fazer parte do pitch de vendas como compelling para o serviço em questão, muitas vezes envolvendo uma deadline: “Se você realizar a [transação] até dia 20, consigo 10% de desconto”.

b) Punições: “what the hell do you think you’re doing?”

7.Contratos legais

A concordância de buyers e sellers para contratos (como termos e condições no site, por exemplo) que proibe o by-pass podem dar um aparato maior para os Marketplace’s em termos de proteção.

Por isso, um contrato que faça sentido para todos os lados só tem a ajudar a plataforma a escalar.

Lembrando: um contrato muito longo e detalhado pode ser inimigo na aquisição de clientes. Existe maneira de simplificar? Converse com seu contador e… simplifique!

8.Normas/morais de “comunidade”

O item 8 envolve branding, ou seja, a construção da sua marca.

Caso se crie um senso de “comunidade” em sua plataforma, as pessoas podem pensar 2x antes de realizar um by-pass.

Fotos do time, relatos de funcionários, uma conta atualizada no Instagram que mostre o dia a dia, e tantos outros pontos podem reforçar isso. Afinal, esquecendo um pouco B2B e B2C, nossas empresas têm que ser H2H, ou seja, Human-to-Human.

Airbnb, sempre o Airbnb! Você sabia que existe uma “comunidade global de anfitriões” no site?

9.Mecanismo para reportar o by-pass

Existe uma maneira visível para as pessoas reportarem outras tentado aplicar o by-pass no seu Markeplace?

Dar a impressão de -possivelmente- interromper a transação entre buyer e seller em questão pode funcionar muito bem. Como diria Foucault, “Vigiar e punir!”.

10.Bloqueio/retorno justificado via plataforma

Se, visivelmente, sua plataforma Marketplace permite que você tenha pistas, indícios ou certezas de que um by-pass pode estar sendo aplicado, o bloqueio do usuário em questão pode auxiliar. (seja ele humano ou automático, via algoritimos).

Porém, com uma possibilidade de retorno justificada, para que se possa acompanhar de perto.

Exemplo fictício: um usuário entra em contato com um cozinheiro no MeuBistrô, mas logo “desiste” da transação via plataforma, e isso se dá 3x.

Como parece um caso suspeito, a plataforma só permite que o candidato seja desbloqueado caso justifique o que aconteceu (via email, telefone, landing page…), permitindo algum tipo de trato com relação a uma futura contratação de cozinheiro.

Este exemplo, especificamente, depende bastante da qualidade do trackeamento das informações dos “bastidores” do Marketplace em questão. Ou seja, depende da viabilidade do time de produto.

Conclusão

Gostaria eu de ser mais específico e trazer um guia: “Soluções para todos os problemas e gargalos em Marketplace”, mas não.

Por se tratar de algo um pouco mais complexo, grandes são as variáveis do negócio, e mais desafiador é o dia a dia para quem respira esse modelo de negócio.

Mas quero saber: quais foram as ações que você já tomou para evitar as “passadas de perna”?

Por uma internet livre de Zé Cariocas, e fidedigna a recompensar o bom trabalho feito por plataformas de Marketplace, sigamos aprendendo e melhorando sempre!

Até mais 🙂

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