Política se faz em todo lugar, de todo jeito.
Imaginemos uma longa fila de carros às 18h. Horário de pico, muito trânsito e stress. Você vê duas opções: a) furar a fila para chegar mais cedo em casa; b) indagar o por que de tanto trânsito em uma via que poderia ser dupla.
Na opção a, escolhemos o individual, o que interessa somente a mim. Posso furar a fila diariamente durante anos. Já na opção b, vamos além. Podemos fazer uma reclamação, um abaixo assinado, ou algo que venha a mente para melhorar aquela situação de caos diário. Estamos pensando no coletivo.
Em ambos os casos estaríamos fazendo política.
Independente se estamos afiliados a algum partido ou não, fazemos política o tempo todo. Fazer política é construir um mundo novo, todos os dias.
Mas claro, dentro deste imenso guarda-chuva, lembramos que a política também leva em consideração o processo eleitoral que temos que passar, ou seja: popularidade, identificação e votos.
O marketing político no Brasil
No início do período republicano, o Brasil passou por um sistema conhecido como coronelismo. Ou seja, a política era inteiramente controlada por coronéis.
Fraudes eleitorais, votos de “cabresto” (votos comprados) e diversos acordos eram percebidos.
Em nosso País, portanto, começamos a pensar em marketing político como uma substituição dos antigos coronéis, após a Revolução de 1930.
Surgem as Escolas de Samba
Surgia na época o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, uma oportunidade ímpar de auto-promoção das elites.
Em 1934, por exemplo, o Carnaval chegou a ser antecipado para 20 de janeiro para que as escolas homenageassem o então prefeito carioca Pedro Ernesto, o benfeitor responsável por juntar a festa popular com o poder público. Neste ano, inculusive, a Mangueira ganharia seu primeiro título.
Ao longo dos anos, o Carnaval foi sendo consolidado e -direta ou indiretamente- a política sendo feita. Eis que surge a figura do são-borjense, Getúlio Dornelles Vargas.
O advogado soube como nunca perceber que o marketing político poderia caminhar com a cultura do brasileiro, que até então não era tão afirmada quanto hoje.
No ano de 1941, em uma política de boa-vizinhança com o governo americano de Roosevelt, Walt Disney se inspirou no saudoso Paulo da Portela para criar o personagem Zé Carioca, aquele papagaio malandro que representava muito bem o jeitinho brasileiro.
Durante a época da Segunda Guerra Mundial, portanto, conseguimos perceber diversos aspectos do samba como representação nacional, basta lermos os títulos dos campeonatos vencidos pela Portela de 1943 a 1947: “Brasil, Terra da Liberdade”; “Movimentos Patrióticos”; “Brasil Glorioso”; “Alvorada do Novo Mundo” e “Honra ao Mérito”.
Até hoje, ano após ano, a cultura popular das escolas de samba é sempre recriada e está sujeita ao momento político que passa. Recordo aqui de 5 sambas que souberam como nunca abordar política em meio ao Carnaval do Rio, seja através da crítica ou de apoio:
1.O Grande Presidente – Mangueira 1956
“Salve o estadista / Idealista / E realizador / Getúlio Vargas: O grande presidente de valor”
Letra: http://goo.gl/MWHDmL
Áudio: https://www.youtube.com/watch?v=hIa87_OpKmM
O samba que garantiu o 3º lugar para a Mangueira foi eternizado na voz de Jamelão, dois anos após o suicídio de Getúlio. De caráter ufanista, exaltava o ex-presidente sem exitação.
Leonel Brizola, nas eleições para a presidência de 1989 (a qual teve vencedor o carioca Fernando Collor) promoveu um CD em que este samba estava presente gravado por Alcione como uma referência e homenagem a Vargas, que sempre foi sua referência maior.
2.Heróis da Liberdade – Império Serrano 1969
“Passava a noite, vinha dia / O sangue do negro corria / Dia a dia / De lamento em lamento / De agonia em agonia / Ele pedia / O fim da tirania”
Letra: http://goo.gl/lJPpp2
Áudio: https://www.youtube.com/watch?v=26UyeewtxIc
Obra do compositor Silas de Oliveira, “Heróis da Liberdade” se enquadra em um dos maiores sambas de todos os tempos.
O Brasil, em plena ditadura, vivia o AI-5, Ato Instituicional nº 5, que suspendia garantias constitucionais e dava poderes supremos ao Presidente, na época Costa e Silva.
A frase “É a revolução em sua legítima razão” chamou a atenção dos militares, que sugeriram a modificação para “É a evolução…” como conhecemos e cantamos até hoje.
3.E por falar em Saudade – Caprichosos de Pilares 1985
“Diretamente, o povo escolhia o presidente / Se comia mais feijão / Vovó botava a poupança no colchão / Hoje está tudo mudado / Tem muita gente no lugar errado”
Letra: http://goo.gl/L2ZnPd
Áudio: https://www.youtube.com/watch?v=cDYp_Xix2gI
O enredo político e irreverente é mais conhecido pelo refrão: “Tem bumbum de fora pra chuchu / Qualquer dia é todo mundo nu…”.
Na avenida se ecoavam saudades de um Brasil em fim de ditadura. Dois meses depois do carnaval daquele ano, faleceria Tancredo Neves devido a uma infecção generalizada.
Entraria em ação o vice Jose Sarney para estabelecer a Nova Constituição, repleta de planos econômicos e instabilidade financeira.
4.100 Anos de Liberdade: Realidade ou Ilusão? – Mangueira 1988
“Será que já raiou a liberdade / Ou se foi tudo ilusão / Será, que a lei Áurea tão sonhada / Há tanto tempo assinada / Não foi o fim da escravidão?”
Letra: http://goo.gl/z5Qq7W
Áudio: https://www.youtube.com/watch?v=WySBEVaxP1M
Cem anos após a abolição da escravatura, a “Verde e Rosa” chegava para questionar quão real haviam sido os efeitos da liberdade para o negro, que ainda sofre com o preconceito e miséria.
Vale lembrar que a Mangueira apenas perdeu o título pois a Vila Isabel vinha com o arrebatador “Kizomba: A Festa da Raça”, que também tratava da questão do negro e da opressão.
5.Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia – Beija-Flor 1989
“Vibra meu povo / Embala o corpo / A loucura é geral / Larguem minha fantasia, que agonia / Deixem-me mostrar meu Carnaval”
Letra: http://goo.gl/JkSX4Q
Áudio: https://www.youtube.com/watch?v=lZHGNKeLo2o
Dessa vez, o desfile definitivamente é mais lembrado que o samba-enredo em si. O carnavalesco Joãosinho Trinta trouxe o Cristo Redentor coberto com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós!”.
Joãosinho, sempre inovador, queria vestir o Cristo como um mendigo, como uma representação da pobreza, mas foi proibido. Logo, tiveram que cobrir o carro, transformando a história em um desfile inesquecível que até hoje dá o que falar.
O certo é: a política claramente se utilizou e se utilizará da cultura popular para defender seu lado, e vice-versa.
Dizia o teólogo catarinense Leonardo Boff: “Um ponto de vista é a vista a partir de um ponto”. Aprender a olhar o mundo pelo olhar dos outros melhora nosso próprio olhar. Uma política tem que levar em conta a diversidade de pontos de vista para cumprir suas ações.