“O livro de Jô” (autobiografia de Jô Soares) – Frases de Livros

Comprei este livro imediatamente após a morte de Jô Soares, para mim um ídolo.

Passei inúmeras madrugadas da vida com sua companhia na telinha e para mim perdemos, ou melhor, o Céu ganhou um grande gênio que terei a honra de mostrar para meus filhos no Youtube.

“O Livro de Jô”, escrito por Matinas Suzuki Jr. a partir dos relatos do humorista, é um livro pra quem realmente é fã. Ele cita centenas de personagens e histórias de sua época como se quisesse registrar memórias da vida e por isso, aposto que muitas pessoas podem ler achando que existem detalhes demasiados ou histórias que poderiam ser cortadas na edição. Mas este livro é um registro de uma das pessoas mais incríveis que o País já teve, e merecia ser assim.

Devorei este livro com os olhos de saudades que já sentimos aqui debaixo pelo grande mestre.

Obrigado, Jô!

Seguem as melhores frases que apontei:

  • O elevador parou no oitavo andar do Bristol Plaza , na esquina da rua 65 com a Terceira Avenida , em Nova York . Respeitosamente , eu disse ao magnífico ator britânico Kenneth Branagh : — After you , Sir . Ele me olhou com seus olhos de um azul profundo e respondeu : — No , no , no . After you , Sir . Comedy always before tragedy .
  • Félix Caignet nunca escondeu que sua principal habilidade era fazer a audiência chorar . A frase dele mais conhecida é : “ As pessoas sempre querem chorar . O que eu faço é lhes dar um motivo para isso ” .
  • O juiz — corajoso ao contrariar o ministro da Justiça do estado de exceção — abriu a sua resolução de me inocentar citando o depoimento do Drummond . No final das contas , ganhei o apoio de um dos poetas mais importantes do século XX , um homem simples , justo , solidário , que sabia que lutar por meio das palavras não é luta vã .
  • Era aniversário do Costa e Silva , e um dos amigos sugeriu : — Vamos dar um livro pra ele . Outro amigo respondeu : — Não pode . — Por quê ? — Porque um livro ele já tem .
  • Pode – se avaliar a que ponto chegou uma sociedade quando as pessoas que vivem nela são obrigadas a esconder ou — como no meu caso — a se desfazer de seus livros.
  • Não bastavam o programa Faça Humor Não Faça a Guerra e o show Todos amam um homem gordo : eu estava grávido de vontade de criar . Queria voltar ao teatro .
  • Chegávamos a tirar do ar mesmo aqueles que estavam fazendo muito sucesso , pois é sempre melhor um personagem deixar saudades do que ficar no ar mais tempo que o necessário .
  • Falei disso publicamente raras vezes , como quando declarei , em entrevista à Folha de S.Paulo , em dezembro de 1971 : “ O que é o Cursilho é difícil dizer . [ … ] é uma vivência pessoal . E suas consequências são igualmente pessoais e inefáveis . Sei dizer apenas que a minha vida pessoal e profissional se tornou mais autêntica . Tornou – se mais fácil lutar com os leões de nossos dias : o cotidiano ” .

  • Parodiando o autor de máximas vienenses Karl Kraus , eu diria que o humorista nunca diz a verdade : ou ele diz meia verdade ou ele diz verdade e meia .
  • Eu sempre me lembro de que o poeta francês Antonin Artaud , também um homem de teatro ( dramaturgo e diretor ) , depois da sua conversão ao catolicismo , foi assistir a uma missa . Horrorizado com o que viu , dirigiu – se à sacristia para falar com o padre : — Como vocês querem manter as pessoas no catolicismo se você reza a missa numa língua que ninguém entende , o latim , fica de costas pra plateia e a iluminação é péssima ?
  • Construí na minha casa uma capela para a minha santinha . Estive em Cássia com a Flavinha e uma amiga nossa , que caiu num pranto sentido ao chegar lá . Guardo comigo a imagem de santa Rita deitadinha de mãos postas , parece que está sonhando o sonho dos justos .

  • Fanático pelo time do América até o fim da vida ( cunhou a frase “ O América não tem mais torcedores , tem testemunhas ” ) , Max relatava histórias sensacionais ligadas ao futebol .
  • Meu padrinho Max só tinha medo de uma coisa : qualquer tipo de inseto voador . Tinha asas , como a borboleta , a barata etc . , ele corria . — Leão eu passo a mão na juba — dizia — , mas inseto com asa … Certa vez , num plantão médico noturno no IBC , avistou uma borboleta no corredor . Entrou na primeira porta que viu . Era o quarto de um paciente . Sentou – se na cadeira ao lado da cama : — Vim ver como o senhor está passando . Ficou a noite inteira sentadinho ali . De vez em quando , entreabria a porta , e lá estava o terror alado . De manhã , chamou um enfermeiro e pediu socorro . Pôde finalmente sair do quarto . O paciente , encantado , comentava que nunca tinha visto tamanha dedicação num médico .
  • World Trade Center . Estive na cidade pouco tempo depois dos ataques terroristas e me lembro muito bem de que , toda vez que um carro do corpo de bombeiros com a sirene ligada recortava as ruas , era aplaudido pelas pessoas nas calçadas .
  • De vez em quando , escrevo alguns textos sem uma finalidade específica , apenas pelo prazer de escrever .
  • O ator verdadeiro deve ter talento pra improvisar , pra encontrar soluções instantâneas quando algo inesperado ocorre e não há muito tempo pra pensar sobre elas .
  • — Querido Braguinha , eu tenho uma casa muito gostosa em Itaipava , perto de Petrópolis , a gente podia combinar de ir passar um fim de semana lá . O Braguinha perguntou : — Só vamos nós dois ? O Armando respondeu : — Sim , a gente fica conversando , o lugar é bem bonito , tem bons restaurantes , você vai gostar . Sem demonstrar muito entusiasmo pelo programa , o cronista perguntou : — Não seria bom também convidar alguém que fosse mais interessante do que nós dois ?
  • Ninguém sabe que precisa de humor até começar a rir .
  • o programa se propunha a falar com todo tipo de gente , seguindo um pouco a fórmula de conversar sobre coisas comuns com pessoas extraordinárias e sobre coisas extraordinárias com pessoas comuns .
  • O homem que matou Getúlio Vargas ( lançado em 1998 ) conta a história do anarquista Dimitri Borja Korozec , nascido na Bósnia com seis dedos em cada mão . Filho de mãe brasileira , ele sai pelo mundo praticando atos terroristas trapalhões . Na pesquisa , enquanto escrevia , cheguei a ler cerca de oitenta livros e fui até o café onde o Jean Jaurès foi assassinado , em Paris , em 1914 .
  • Além de elogiá – lo , o resenhista também chamou a atenção pra um aspecto muito importante nos meus livros : as ilustrações . Enquanto escrevo , me vêm à cabeça imagens — fotos , desenhos , pinturas — como complementos visuais das palavras . No caso do Homem que matou … elas são fundamentais pra dar a ilusão de que o anarquista realmente existiu .
  • Quando comecei a fazer programas de rádio , descobri que ter um microfone à disposição , sem ninguém te olhando ( hoje a maioria das emissoras de rádio tem câmeras no estúdio pra transmitir o programa pela internet , na época não havia isso ) pra você acionar o autocontrole , é perigosíssimo , você não para mais de falar , vai dizendo tudo que lhe vem à cabeça . Essa é a razão pela qual as pessoas não param de falar no rádio .
  • Enfim , milhões de pessoas no Brasil trocaram horas preciosas de sono pra acompanhar o programa . Havia até a brincadeira de que eu estava contribuindo pra baixar o crescimento demográfico , pois os casais ficavam esperando o “ beijo do gordo ” pra começarem a transar , mas quando o beijo chegava já estavam tão cansados que deixavam pro dia seguinte . Só que no dia seguinte ligavam no gordo outra vez . Como realmente os brasileiros pararam de ter filhos nos últimos anos , acho que havia algum fundamento nessa brincadeira …
  • Uma entrevista durava normalmente de dez a quinze minutos e , pra segurar a audiência , a pessoa precisava se expressar bem . Escrever e falar mexem com duas áreas do cérebro totalmente diferentes . Quando , além de ser um grande escritor , o autor também é brilhante ao falar , a entrevista vai às nuvens
  • Quando o Cazuza foi ao programa , já estava tão fisicamente debilitado pela aids , seu problema já era tão visível diante das câmeras , que não precisei tocar no assunto . Ele estava com trinta anos , se declarou um social – democrata e falou muito feliz sobre a ida da Luiza Erundina ao show que ele fazia na ocasião . Conversamos sobre vida e esperança , não sobre morte .
  • O Colossi quis cancelar , mas eu me recusei . São apenas nove ingressos vendidos ? Vou fazer o espetáculo pros nove . Quando entrei no palco , parecia O fantasma da ópera . De vez em quando , eu percebia um morcego sobrevoando o auditório . Nove pessoas . Pedi que elas viessem todas pra primeira fileira , a fim de criar um clima mais íntimo . Fiz um dos melhores shows da minha carreira . Foi ótimo .
  • Em grande parte , isso não é mérito meu , pois sou fruto de uma árvore imensa , de profundas raízes e generosa sombra , que abriga diretores , atores , comediantes , músicos , redatores , jornalistas , cenógrafos , técnicos . Enfim , todos que construíram a linguagem vigorosa da televisão brasileira .
  • Ziraldo foi a pessoa que mais entrevistei no programa : 24 vezes . Fomos vizinhos na rua Baronesa de Poconé , na Lagoa , e somos amigos há sessenta anos . Uma vez ele me disse : “ Jô , a única coisa que não deprecia é a amizade ” . Pois é , a amizade deve deixar os contadores loucos , ela não tem depreciação pra entrar nos balancetes .
  • No dia 31 de outubro de 2014 , aos cinquenta anos , o Rafinha morreu . Ele estava com câncer no cérebro fazia um ano . Este é o pesadelo de todo pai : que a ordem natural das coisas seja alterada e um filho se vá antes . Como ele era autista , manteve – se criança até o fim . O destino lhe propôs uma vida curta de provações e limitações , às quais ele respondeu como uma bem guardada felicidade interior . Rafael nunca reclamou de nada . Fomos opostos : nasci com uma necessidade imensa de comunicação ; ele preferia o silêncio . Sempre precisei ( até exageradamente ) de muitas coisas ; ele só tinha o essencial , sua vida dependia de pouquíssimas coisas . Rafa era trabalhador : tinha um “ estúdio radiofônico ” no apartamento em que morava com a Theresa , no Leblon . Sua rádio , chamada de “ Rádio AM da Zona Sul ” , tinha os mega – hertz capazes de atingir quem se aproximasse de seu estúdio . Ele não se atrasava um minuto pra começar a programação , tinha os horários rígidos dos autistas . Não deixava de colocar a rádio no ar nem nos feriados . O Derico , generosamente , gravou várias chamadas pra rádio do Rafa . Ele era fã e amigo do radialista Roberto Canázio , da Rádio Globo , que fez um retrato perfeito do Rafinha : Ele mantinha em casa uma “ rádio imaginária ” na qual era o locutor e se espelhava no meu programa para fazer o dele . Foi um profissional extraordinário . Começou com uma aparelhagem VHS e depois passou a fazer sua própria programação no computador . Era um ouvinte fiel . Sempre que podia ele vinha até os estúdios participar do programa , amava isso tudo e sonhava ser locutor . Tinha um excelente gosto musical .
  • Uma vez , fui com meu filho a uma livraria e ele pegou doze livros pra levar . Reclamei : — Rafa , pra que levar tantos livros , é muito . Escolha a metade . — Então eu não vou levar nenhum . Achei que ele estava fazendo birra e retruquei : — Rafa , não pode ser assim , ou uma dúzia ou nada . Vamos , escolha seis livros . — Não , eu não vou escolher . — Por quê ? — Porque escolher é perder .
  • Terminada a estreia de Às favas … , fui ao camarim dar um beijo na Abigail . Ela me disse : — Jô , na história dos espetáculos , a coisa mais bonita que existe é a confiança entre o trapezista que salta e o que , do outro lado , está com as mãos estendidas pra segurá – lo . É como você e eu . Eu sou aquela que se atira , você é aquele que segura .
  • Tempos depois , perguntei ao Juca a razão daquela desigualdade de atuações , havendo no elenco atores tão bons . Ele me disse que o tempo de ensaio tinha sido curto e que , em vez de ensaiar , o grupo ficava horas e horas discutindo o significado da peça . Era uma época de se politizar tudo . Enquanto o pessoal discutia , o Juca decorava o seu texto e ensaiava sozinho . Ele tinha um amigo que trabalhava no Teatro Municipal , e Juca conseguiu um horário pra ir ensaiar lá todos os dias . Imaginem que cena poderosa de um filme seria esta : um ator falando sozinho o texto do Marco Antônio em um teatro da imponência e das dimensões do Municipal , completamente vazio . Isso é de um poder transcendental . O Juca teve todos os fantasmas e Mephistos da história do teatro como aliados durante a peça . O seu Marco Antônio é um dos grandes momentos do palco brasileiro .
  • A maioria dos atores é abnegada , trabalhadora , e só se mantém na atividade porque ser ator é mais necessário do que viver bem . Tiro minha cartola pra eles .
  • A única certeza é que eu não teria feito nada disso sozinho . Eu sou o conjunto dessas pessoas — e felizmente sou gordo o bastante pra que todas caibam no meu corpinho.
  • Se você tem o privilégio de poder parar quando sentir a sua missão cumprida em algum setor , pare . Sempre haverá outras coisas pra fazer .
  • Como diz o poeta , escritor e dramaturgo italiano do século XVIII Pietro Metastasio : “ Não existe o passado : a memória o modifica . Não existe o futuro : a esperança o transforma . Só existe o presente , que está sempre sumindo ” . Até 2098 . Beijos eternos do Gordo .

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