“Uma breve história da Filosofia” (Nigel Warburton) – Frases de Livros

Um grande livro que resume os maiores pensadores do mundo.

Assim é “Uma breve história da Filosofia” de Nigel Warburton, da mesma coleção “Uma breve história da…” que faz parte o famoso Sapiens de Yuval Harari.

Se eu tivesse esse livros nos anos que cursei a graduação de Ciências Sociais na UFSC teria poupado muito tempo e energia (e árvores por causa da quantidade imensa de xerox).

Tinha lido o livro fisicamente e resolvi comprar via Kindle somente para não perder tempo escrevendo as melhores frases. Com cerca de 1 ano de atraso, aí vão elas:

O homem que perguntava (Sócrates e Platão)

  • Houve filósofos antes dele, mas foi com Sócrates que o assunto realmente despontou. Se a filosofia tem um santo padroeiro, Sócrates é seu nome
  • Quando atingiu a meia-idade ele perambulava pela ágora, parava as pessoas de tempos em tempos e fazia perguntas embaraçosas. Isso era mais ou menos tudo o que fazia
  • Sócrates demonstrou que as pessoas que encontrava na ágora não sabiam o que pensavam saber. Um comandante militar, depois de 20min com Sócrates foi embora confuso sobre o significado de “coragem”
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  • Para ele era um sucesso quando uma conversa chegava ao fim e as pessoas percebiam o quão pouco sabiam
  • Ele não cobrava pelos serviços pois falava que não sabia de nada. Mas isso não impedia que os estudantes o procurassem
  • O oráculo disse que era o homem mais sábio de Atenas e ele custou a entender. Depois pensou que muitas pessoas eram boas em várias coisas que faziam, mas nenhuma pessoa era verdadeiramente sábia. Não sabiam do que estavam falando
  • Para Sócrates, sabedoria era entender a verdadeira natureza da nossa existência, inclusive os limites do que podemos saber
  • O que fazia de Sócrates tão sábio era o fato de continuar fazendo perguntas e de estar sempre disposto a debater suas ideias. A vida só vale a pena ser vivida quando pensamos no que estamos fazendo. Uma existência sem análise é adequada para o gado, mas não para os seres humanos
  • Foi condenado à morte. Se tivesse tido a escolha de continuar vivendo em silêncio, sem fazer mais perguntas a ninguém, ele não teria aceitado. Preferia morrer a viver assim. 
  • Sócrates tinha uma voz interior que lhe dizia para continuar questionando tudo, e ele não a trairia. Então, tomou um cálice de veneno e morreu logo depois

  • Platão acreditava que somente os filósofos entendem como o mundo verdadeiramente é
  • Em vez de confiar nos sentidos, eles descobrem a natureza da realidade pelo pensamento
  • Para defender, escreve “O Mito da Caverna”. Nessa caverna há pessoas acorrentadas viradas para uma parede. Elas vêem sombras que acreditam ser as coisas reais, mas não o são. As pessoas passaram a vida inteira pensando que as sombras são o mundo real, até um sujeito ser liberto e consegue olhar para o sol. Quando ele volta, ninguém acredita sobre o que ele diz do mundo
  • O homem que se liberta é como o filósofo: ele vê além das aparências. As pessoas comuns não tem noção da realidade porque se contentam em olhar o que está diante delas em vez de refletir profundamente sobre as coisas. Contudo, as aparências são enganadoras. O que vêem são as sombras e não a realidade
  • Como os filósofos são bons em pensar sobre a realidade, Platão acreditava que eles deveriam estar no governo e deter todo o poder político. Em A República, ele descreve uma sociedade imaginária perfeita. Os filósofos estariam no topo e teriam educação especial / embaixo deles soldados treinados / abaixo deles os trabalhadores

A verdadeira felicidade (Aristóteles)

  • “Uma andorinha só não faz verão”. Esta é uma frase de Aristóteles de um livro chamado Ética a Nicômaco
  • Pequenos prazeres não representam a verdadeira felicidade. Isso é alegria momentânea. Por isso, as crianças não poderiam ser felizes. Isso exige uma vida mais longa
  • Sócrates foi um excelente dialogador, Platão foi um escritor fenomenal, e Aristóteles se interessava por todas as coisas. Aristóteles era fascinado pelos detalhes de tudo que o cercava
  • Nasceu na Macedônia. Fundou a própria escola em Atenas, chamada Liceu. Algo como as universidades modernas
  • Platão teria se contentado em filosofar dentro de um gabinete; Aristóteles queria explorar a realidade, e não a teoria das formas de Platão. Para entender o que é um gato, precisaríamos observar gatos reais, e não pensar abstratamente na forma de um gato
  • A palavra grega que ele usava era eudaimonia (prosperidade ou sucesso). Vai além do modo em que nos sentimos
  • Ele argumentava que os seres humanos são animais políticos. Precisamos conseguir viver com os outros e precisamos de um sistema de justiça para lidarmos com o lado mais obscuro de nossa natureza. A eudaimonia só pode ser alcançada em relação à vida em sociedade
  • Nós vivemos juntos  e precisamos encontrar nossa felicidade interagindo bem com aqueles que nos cercam, em um estado político bem ordenado
  • Os métodos próprios de Aristóteles eram a investigação, a pesquisa e o livre raciocínio
  • A filosofia floresce no debate, na possibilidade de estar errada, na contestação de visões e na exploração de alternativas

Não sabemos nada (Pirro)

  • Ninguém sabe nada – e essa afirmação é incerta
  • Não deveríamos confiar no que acreditamos ser verdade, por poderíamos estar nos confundido. É possível questionar e duvidar de tudo. Para não se decepcionar, não se comprometa
  • Esses são ensinamentos do ceticismo, uma filosofia que foi popular durante muitos anos na Grécia antiga e depois em Roma
  • O grego antigo Pirro foi o mais famoso e mais radical cético de todos os tempos
  • Enquanto a maioria das pessoas interpretaria a visão da beira de um desfiladeiro como uma evidência que seria tolice continuar caminhando naquela direção, Pirro não o faria
  • Ele poderia estar sendo enganado pelos sentidos, então não confiava neles. Ele sequer tinha clareza de que cair sobre as rochas seria ruim para a saúde
  • Pirro resumiu sua filosofia em três perguntas que deveriam ser feitas a todos que querem ser felizes:
  1. Como as coisas realmente são?
  2. Que atitude deveríamos adotar com relação a elas?
  3. O que acontecerá com a aquele que não tomar essa atitude?
  • Como não podemos conhecer nada com exatidão, deveríamos suspender todos os juízes e viver a vida de uma maneira descomprometida
  • Poucos de nós chegarão a atingir o tipo de indiferença que ele recomendava
  • Nem todos os céticos eram tão extremados quanto Pirro
  • Todos os grandes filósofos foram céticos, que é o oposto ao dogmatismo. Um sujeito dogmático tem muita confiança de que conhece a verdade. Os filósofos contestam o dogma, perguntam por que as pessoas acreditam no que acreditam, que tipos de evidência dão suporte a suas conclusões 

O Jardim (Epicuro)

  • Epicuro, antigo filósofo grego, afirmava que o medo da morte é uma perda de tempo e baseava-se em uma falsa lógica
  • Se pensarmos seriamente sobre a morte não deveremos ter medo algum dela
  • Epicuro acreditava que a filosofia deveria ser prática e mudar o mundo como vivemos. Portanto, era importante que aqueles que se juntassem a ele no jardim colocassem a filosofia em prática, em vez de simplesmente aprenderem sobre ela
  • Eliminar o sofrimento e aumentar a felicidade tornará a vida melhor
  • A melhor maneira para viver seria ter um estilo de vida bastante simples, ser gentil com o próximo e cercar-se de amigos. Desse modo seremos capazes de satisfazer a maior parte dos nossos desejos
  • Ele e seus seguidores alimentavam-se de pão e água em vez de comidas exóticas. Quando se começa a beber um vinho muito caro, em breve acaba querendo-se beber vinhos cada vez mais caros, o que gera uma armadilha de querer coisas que não se pode ter
  • Epicuro fez a pergunta: por que temer a morte? A morte não é algo que acontece a nós. Quando acontece, não estamos lá
  • Algumas pessoas realmente se preocupam em vir a ser punidas depois da morte. Epicuro também descartava essa preocupação. Os deuses não estão em nada interessados em sua criação, dizia com segurança para seus seguidores
  • Epicuro resumiu toda sua filosofia com o seguinte epitáfio: “Eu não era; fui; não sou mais; não me importo”
  • Se você acredita ser uma alma e um corpo, e que essa alma pode sobreviver à morte corpórea, é improvável que lhe sirva a cura de Epicuro: você conseguirá imaginar a continuidade da sua existência mesmo depois que seu coração parar de bater

Aprendendo a não se importar (Cícero e Sêneca)

  • A ideia dos estoicos ficou mais conhecida por falarem sobre controle mental
  • Sua ideia básica era a de que só deveríamos nos preocupar com as coisas que podemos mudar e não deveríamos nos perturbar com mais nada
  • Deveríamos nos manter impassíveis diante da morte de um ente querido
  • Nossa atitude em relação ao que acontece está dentro do limite do nosso controle, ainda que o que aconteça não esteja
  • Nossos pensamentos dependem de nós
  • Assim pensou um soldado norte-americano que foi torturado no Vietnã. Foi impassível, e superou a dor e solidão que teriam destruído outras pessoas
  • Cícero, em Sobre a velhice, identificou alguns problemas no envelhecimento, mas todos dependem de como aceitamos esse processo e como a atitude não precisa ser pessimista
  • Sêneca escreveu sobre a brevidade da vida
  • Não se costuma ouvir das pessoas que a vida é longa demais, a maioria diz que é curta demais
  • Justamente quando estamos atingindo o auge das coisas, morremos
  • Não deveríamos nos aborrecer por a vida ser curta, mas fazer o melhor dela
  • A vida é longa o suficiente para realizar muitas coisas, desde que se façam as escolhas certas: se não a desperdiçarmos em tarefas inúteis
  • Alguém que iça as velas de um barco e assim se deixa levar pelas tempestades não esteve numa viagem; apenas foi jogado de um lado para o outro. O mesmo acontece com a vida. Estar fora de controle, ser carregado pelos acontecimentos sem ter tempo para as experiências mais valiosas e significativas é bem diferente de viver verdadeiramente
  • Segundo Sêneca o ideal estoico era viver como um recluso, longe das outras pessoas. Sêneca dizia que a maneira mais fecunda de existir era estudando filosofia. Era uma forma de ser verdadeiramente vivo
  • Nero acusou Sêneca de fazer parte de uma conspiração para matá-lo, e pediu que se suicidasse
  • Uma das maneiras de encararmos o principal ensinamento dos estoicos é pensá-lo como um tipo de psicoterapia, uma série de técnicas psicológicas que tornarão nossa vida mais tranquila. Livre-se das emoções desagradáveis que maculam o pensamento e tudo será mais fácil

Somos marionetes de quem? (Santo Agostinho)

  • Agostinho queria desesperadamente conhecer a verdade. Como cristão acreditava em Deus, mas sua crença deixou muitas perguntas sem resposta
  • O que Deus queria que ele fizesse? Como deveria viver? No que deveria acreditar? Ele passou a maior parte da sua vida pensando e escrevendo sobre essas questões
  • Para aqueles que acreditam na possibilidade de passar a eternidade no inferno, cometer um erro filosófico parece ter consequências terríveis
  • Um dos problemas era por que Deus permitiu o mal no mundo
  • Agostinho nasceu em Tagaste, norte da África, onde hoje é a Argélia, mas na época ainda fazia parte do Império Romano
  • Agostinho de Hipona, por causa da última cidade que viveu
  • É sabido que pediu a Deus para deixar de ter desejos sexuais “mas não agora” pois ainda apreciava muito os prazeres mundanos
  • Em um estágio mais avançado da vida, Agostinho escreveu muitos livros incluindo Confissões, A cidade de Deus e quase mais cem outros baseando-se em Platão com traços cristãos
  • Agostinho percebeu que a ideia de um Deus que sabe do acontecimento desse tipo de mal e não faz nada para evitá-lo é difícil de entender. Ele não se satisfazia com a ideia de que Deus age de maneira misteriosa, que está além da compreensão humana. Ele queria respostas
  • Imagine um assassino prestes a matar sua vítima com uma faca afiada. Por que Deus não muda seus neurônios ou torna todas as facas moles?
  • Esse é o clássico problema do mal: por que Deus permite tais acontecimentos
  • Se tudo vem de Deus, o mal vem de Deus também? Em certo sentido Deus deve ter desejado que isso acontecesse
  • Quando era mais jovem, Agostinho era maniqueísta
  • Os maniqueístas acreditavam que Deus não era onipotente, e sim havia uma luta eterna entre forças idênticas: o bem e o mal
  • Os dois eram extremamente fortes mas nenhum deles era poderoso o suficiente para destruir o outro. Algumas vezes o mal se sobressaía mas não por muito tempo
  • Eles acreditavam que a bondade vinha da alma e o mal vinha do corpo
  • Agostinho pensou exaustivamente sobre esses problemas e sua solução se baseou no livre-arbítrio: a capacidade humana de decidir o que fazer
  • Esse argumento costuma ser chamado de defesa do livre-arbítrio e trata-se de uma teodiceia – a tentativa de explicar e defender a ideia de como um Deus bom permita o sofrimento
  • Ele argumentava que foi muito melhor termos escolha. Do contrário, seríamos como marionetes nas mãos de Deus, que controlaria nossos fios sempre que nos comportássemos bem. Não haveria sentido nenhum em pensar sobre como se comportar, pois sempre escolheríamos automaticamente a opção do bem
  • Agostinho afirmava que o pecado original era transmitido de geração a geração pelo ato da reprodução sexual. Até mesmo uma criança, em seus primeiros momentos de vida, carrega traços desse pecado. O pecado original nos torna mais propensos ao pecado
  • A ideia de que o mal é resultado de nosso livre-arbítrio, e não diretamente de Deus, ainda faz com que creiam em um Deus onipotente, onipresente, que só faz o bem

A consolação da Filosofia (Boécio)

  • Boécio morreu 20 anos antes da queda do Império Romano para os bárbaros
  • Acusado de conspiração contra Teodorico, foi expulso de roma, preso, torturado e estrangulado até a morte
  • O seu livro “A consolação da Filosofia” começa com Boécio dentro da cela tendo pena de si mesmo. De repente percebe que há uma mulher olhando pra ele, a Filosofia
  • Ela diz a Boécio que a sorte sempre muda e isso não deveria surpreendê-lo. A sorte é instável. A roda da fortuna gira e às vezes estamos por cima, às vezes por baixo. Pode ser que um rei muito rico se veja na pobreza. A sorte é aleatória
  • Ela diz que nada é terrível em si – a terribilidade depende de como pensamos nela. A felicidade é um estado de espírito, não do mundo – uma ideia que Epiteto já havia reconhecido antes
  • Ela lembra Boécio do que ele já sabe, como Platão pensava: as coisas que aprendemos são reminiscência de ideias que já temos. De fato, nunca aprendemos nada novo, apenas temos nossa memória refrescada. A vida é uma luta para lembrarmos o que já sabíamos antes
  • Boécio chegou a problemática de Deus onisciente: ele tem que saber quem vai ganhar a Copa do Mundo e o que escreveremos na próxima frase. Se me vejo numa bifurcação na estrada posso ir pra esquerda, direita ou simplesmente parar. Se Deus sabe quais são as próximas ações, como poderíamos ter uma escolha genuína do que faremos? A escolha é uma ilusão? Se não podemos escolher até que ponto é justo nos punir ou recompensar pelo que fazemos? Como Deus pode decidir se iremos ou não pro Céu?
  • Isso é muito perturbador, o que os filósofos chamam de paradoxo. Não parece possível que alguém soubesse o que farei e que ainda assim eu tivesse uma livre escolha sobre o que eu faço. Essas ideias se contradizem
  • Mas a mulher Filosofia tem algumas respostas: ela diz que temos sim livre-arbítrio, ele não é uma ilusão. O erro é pensarmos em Deus como se fosse um “Big Brother” nos observando o tempo todo. Deus é atemporal.
  • Isso significa que Deus aprende tudo em um instante: vê passado, presente, futuro como uma coisa só
  • Além disso, ela diz que Deus julga os seres humanos em relação a como se comportam, às escolhas que fazem, mesmo que saiba de antemão o que farão
  • Se Filosofia tiver razão sobre isso, e se Deus existe, ele sabe exatamente quando terminarei de escrever essa frase, mas continua sendo minha livre escolha termina-la com um ponto final nesse exato momento

A ilha perfeita (Anselmo e São Tomás de Aquino)

  • Anselmo, padre italiano que se tornou arcebispo da Cantuária, tinha uma visão lógica para a existência de Deus. Ele dizia que “não se pode conceber nada que seja superior a Deus”
  • Se ele estiver certo podemos ter certeza que Deus existe simplesmente pelo fato de termos uma ideia dele. Um argumento  que não se baseia na observação sobre o mundo para chegar a uma conclusão
  • Foi um argumento combatido e considerado absurdo para alguns críticos
  • Aquino esboçou 5 argumentos, as 5 vias para demonstrar a existência de Deus. Assim como Anselmo, Aquino queria usar a razão para provar a existência de Deus
  • Argumento 1: Olhe ao redor. De onde vem tudo? Cada coisa existe por um tipo de causa. Podemos retroceder, retroceder e retroceder. Essa ideia de causas e efeitos não seria eterna? A causa primeira deve ter sido Deus. Deus é a causa não causada de tudo que existe. 
  • Filósofos falaram que não há motivo para crer que essa causa primeira é Deus: ela poderia ter sido uma espécie de onda de energia, e não um Deus pessoal

A raposa e o leão (Maquiavel)

  • Imagine que você seja um príncipe, dotado de poder absoluto governando uma cidade-estado como Florença ou Nápoles na Itália do séc.16. Você dará uma ordem e será atendida. Se quiser mandar alguém pra cadeia você pode fazer; há tropas ao seu dispor; e você está cercado por outras cidades-estados governadas por ambiciosos que adorariam tomar seu território. Como você se comportaria? Deveria ser honesto, cumprir suas promessas, acreditar no melhor das pessoas?
  • Maquiavel pensava que seria uma má ideia. É melhor parecer bom e honesto, mas mentir, quebrar promessas e matar inimigos faz parte
  • “O Príncipe” não foi escrito para todos, mas sim a quem chegou recentemente no poder
  • O livro falava que um príncipe precisava de virtú (firmeza/valor). Metade do que acontece conosco é acaso e metade resultado de nossas escolhas, mas nossas chances de sucesso aumentam quando agimos brava e rapidamente
  • Exemplo de virtú: César Borgia descobriu que os membros da família Orsini planejavam derrubá-lo e os induziu a encontrá-los, matando todos
  • Para Maquiavel, o resultado final era mais importante que o modo como era atingido. Esses assassinatos tinham um por que: ter agido com compaixão teria sido desastroso: ruim tanto para Bórgia quando para o estado
  • Maquiavel ressalta que como líder é melhor ser temido que ser amado. Se você confiar num povo que o ama, correrá o risco de ser abandonado em momento de adversidade. Se for temido, o povo terá medo de traí-lo
  • Ele se via como um sujeito realista, um sujeito que reconhecia que as pessoas eram fundamentalmente egoístas

Sórdida, embrutecida e curta (Hobbes)

  • Hobbes, assim como Maquiavel, tinha uma visão negativa dos seres humanos. Ele acreditava que todos somos egoístas, movidos pelo medo da morte e pela esperança de ganhos pessoais.
  • Todos nós buscamos ter poder sobre os outros, percebendo isso ou não
  • Se você não concorda, por que tranca a porta quando sai de casa? Certamente não seria porque sabe da existência de muita gente que adoraria roubar todas as suas coisas? Ele acreditava que pelo nosso egoísmo, o estado de direito e a ameaça de punição poderiam manter-nos sob controle
  • Retire o poder do Estado de impedir que as pessoas usem as terras dos outros e matem quem quer que seja, e o resultado será uma guerra interminável de todos contra todos. 
  • Num mundo sem leis, nem o mais forte estaria seguro muito tempo. Viveríamos a vida inteira com medo de ataque
  • Leviatã, o livro mais importante de Hobbes explica em detalhes os passos necessários para sair do pesadelo do estado de natureza para uma sociedade segura, a qual a vida é suportável. Esse era o nome de um monstro marinho gigantesco Bíblico, que ele compara com o Estado. Defendia que sem um soberano, a sociedade se dividiria em indivíduos separados, prontos para destruir os outros indivíduos na busca pela sobrevivência
  • No ramo da filosofia, acreditava que os seres humanos eram nada mais que seres físicos. A alma não existe: somos apenas o corpo, o qual, em última instância é uma máquina complexa

Estaríamos sonhando? (Descartes)

  • O que você faria se não tivesse certeza se Deus existe ou não? Seria como jogar uma moeda pra cima? Apostaria na não existência de Deus e viveria como bem entendesse? Ou seria mais racional agir como se Deus existisse mesmo que a probabilidade de isso ser verdade seja mínima? Pascal, que acreditava em Deus, pensou bastante essa questão
  • Assim como Agostinho, ele acreditava que os seres humanos são movidos pelo desejo sexual, não são confiáveis, e entediam-se muito facilmente. Todos são miseráveis
  • Descartes acreditava em provar a existência de Deus pela lógica; Pascal o contrário. A crença em Deus relacionava-se com o coração e com a fé
  • O argumento da aposta: Pascal sugere que você pode escolher viver como se Deus existisse. Pode orar, ir à igreja, ler a Bíblia. Se ficar provado que Deus realmente existe, você ganhará a vida eterna. 
  • Se escolher acreditar em Deus quando Ele não existe, o sacrifício feito não será sido tão grande (e você não existirá mais depois da morte para saber que estava errado e ficar triste pelo tempo e esforço prendidos). “Em caso de vitória ganha-se tudo; em caso de derrota, perde-se nada”, palavras dele
  • Nem todos consideram esse argumento convincente, pois seria uma razão errada para acreditar em Deus: salvar a alma a qualquer custo
  • Um dos pontos seria que Deus impediria a entrada do Céu daqueles que usassem o argumento da aposta

O polidor de lentes (Baruch Espinosa)

Baruch Espinosa (1632-1677) era uma exceção, pois pensava que Deus é o mundo.

Deus e Natureza são duas maneiras de descrever uma única coisa. Deus é a natureza, e a natureza é Deus. Esta é uma forma de panteísmo–crença de que Deus é tudo.

Se Deus é infinito, dizia Espinosa, segue-se que não pode existir nada que não seja Deus. Se descobrirmos algo no universo que não seja Deus, é porque Deus não é infinito, pois Deus poderia, em princípio, ter sido esse algo, bem como todas as outras coisas. Todos somos partes de Deus, mas também o são as pedras, formigas, folhas de grama e janelas. Tudo. Todas as coisas estão integradas em um todo incrivelmente complexo, mas, em última instância, tudo o que existe é parte de uma única coisa: Deus.

Segundo Espinosa, podemos e devemos amar a Deus, mas não espere ser amado de volta. Isso seria como se um amante da natureza esperasse que ela o amasse de volta. Na verdade, o Deus que ele descreve é tão completamente indiferente em relação aos seres humanos e ao que eles fazem que muitos pensavam que Espinosa não acreditava em Deus e que seu panteísmo era um disfarce.

A crença de que Deus é a natureza não foi aceita na época, mas depois que Espinosa morreu conquistou admiradores bastante notáveis, incluindo o romancista vitoriano George Eliot, que fez uma tradução de Ética, e o físico Albert Einstein, do século XX, que, embora não tenha tido coragem para acreditar em um Deus pessoal, revelou em uma carta que acreditava no Deus de Espinosa.

O príncipe e o sapateiro (John Locke e Thomas Reid)

Essa pergunta sobre o que faz de uma pessoa a mesma com o passar do tempo foi uma das que atormentou o filósofo inglês John Locke (1632-1704).

Uma das crenças de Locke era a de que a mente de um recém-nascido é como um quadro branco. Não sabemos nada quando nascemos, e todo o conhecimento que temos vem da experiência de vida.

O que faz de nós a mesma pessoa com o passar do tempo, dizia ele, é a nossa consciência, a percepção que temos do nosso si-mesmo [self]. Aquilo de que não podemos nos lembrar não faz parte de nós como pessoas. Para ilustrar isso, ele imaginou um príncipe acordando com as lembranças de um sapateiro e um sapateiro acordando com as memórias de um príncipe. O príncipe acorda no palácio, como é de costume, e para todos os efeitos ele é a mesma pessoa que era quando foi se deitar. Porém, como suas memórias são de um sapateiro em vez das suas próprias, ele sente que é um sapateiro.

A continuidade corporal não importa nesse caso. O que vale nas questões sobre a identidade pessoal é a continuidade psicológica.

Sua identidade pessoal só se estende até onde vai sua memória em relação ao passado. O mesmo acontece quando as memórias se enfraquecem na velhice: a extensão do que você é como pessoa também diminuirá.

O elefante cinza (George Berkeley e John Locke)

de acordo com George Berkeley (1685-1753), filósofo irlandês que se tornou bispo de Cloyne, tudo o que deixa de ser observado deixa de existir. Se não há nenhuma mente consciente do livro que você está lendo, ele não existirá mais.

Sentir a dureza de uma pedra contra o pé não provava a existência de objetos materiais, apenas a existência da ideia de uma pedra dura. Tanto que, para Berkeley, o que ele chamava de pedra nada mais é que as sensações que ela suscita. Não há nenhuma pedra física “real” por trás do que causou a dor no pé. Na verdade, não há realidade nenhuma por trás das ideias que temos.

Era idealista porque acreditava que tudo o que existia eram as ideias; e era imaterialista porque negava que as coisas materiais–os objetos físicos–existiam.

Para Berkeley, tudo o que experimentamos e em que pensamos–uma cadeira ou uma mesa, o número 3 etc.–só existe na mente. Um objeto é apenas a reunião de ideias que nós e outras pessoas temos dele. Ele não tem nenhuma existência além disso. Sem alguém para vê-los ou ouvi-los, os objetos simplesmente deixam de existir, pois os objetos não são nada além das ideias que as pessoas (e Deus) têm deles. Berkeley resumiu essa estranha visão em latim como “Esse est percipi”–ser (ou existir) é ser percebido.

Mas Berkeley não pensa que os objetos passam a existir e deixam de existir continuamente. Ele próprio reconheceu que isso seria estranho. Ele acreditava que Deus garantia a existência contínua das nossas ideias. Deus estava constantemente percebendo as coisas no mundo, e por isso elas continuavam existindo.

O melhor de todos os mundos possíveis? (Voltaire e Gottfried Leibniz)

O melhor de todos os mundos possíveis? Voltaire e Gottfried Leibniz

“Tudo o que é, é correto”, declarou o poeta inglês Alexander Pope (1688-1744). Tudo o que existe no mundo é do jeito que é por uma razão: tudo é obra de Deus, e Deus é bom e todo-poderoso. Doenças, inundações, terremotos, incêndios florestais, secas–tudo faz parte do plano de Deus. Nosso erro é nos concentrarmos demais em detalhes individuais e não ver o contexto como um todo. Se pudéssemos nos distanciar e ver o universo de onde Deus está, reconheceríamos a perfeição que ele é, como todas as coisas se encaixam e tudo o que parece mal é, na verdade, parte de um plano muito mais amplo.

O filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) usou o seu princípio da razão suficiente para chegar à mesma conclusão. Ele supôs que deve haver uma explicação lógica para tudo. Como Deus é perfeito em todos os aspectos–isso faz parte da definição-padrão de Deus–, segue-se que Deus deve ter tido excelentes razões para criar o universo exatamente da forma como criou. Nada poderia ser deixado ao acaso. Deus não criou um mundo absolutamente perfeito em todos os aspectos–isso tornaria o mundo o próprio Deus, pois Deus é a coisa mais perfeita que há ou pode haver. Mas ele deve ter feito o melhor dos mundos possíveis, o único com a mínima quantidade de mal necessário para obter esse resultado. Não poderia haver uma maneira melhor de juntar os pedaços do que esta: nenhum projeto teria produzido mais bondade usando menos mal.

Voltaire, não via dessa maneira. Ele não se conformava de jeito nenhum com essa “prova” de que tudo está indo bem. Ele suspeitava profundamente dos sistemas filosóficos e do tipo de pensador que acredita ter todas as respostas.

hoje ele é mais conhecido como o autor de Cândido (1759).

Cândido é o personagem central. Seu nome sugere inocência e pureza.

ele viaja por países reais e imaginários com seu tutor de filosofia, dr. Pangloss, até que finalmente se reencontra com seu amor perdido, Cunegundes, embora agora ela esteja velha e feia.

Voltaire usa o tutor de filosofia, Pangloss, para expor uma versão caricaturada da filosofia de Leibniz, da qual zomba o escritor. Tudo o que acontece, seja desastre natural, tortura, guerra, estupro, perseguição religiosa ou escravidão, Pangloss trata como mais uma confirmação de que eles vivem no melhor dos mundos possíveis. Em vez de levá-lo a repensar suas crenças, cada desastre só aumenta sua confiança de que tudo acontece para o melhor e de que as coisas tinham de ser assim para produzir a mais perfeita situação.

Em 1755, houve um dos piores desastres naturais do século XVIII: o terremoto de Lisboa, que matou mais de 20 mil pessoas.

O sofrimento e a perda de vidas chocou a crença de Voltaire em Deus. Ele não conseguia entender como um acontecimento como esse poderia fazer parte de um plano maior. A escala de sofrimento não fazia nenhum sentido para ele. Por que um bom Deus permite que isso aconteça? Ele tampouco conseguia entender por que Lisboa era o alvo. Por que lá e não em outro lugar?

Ao contrário de Pangloss, Cândido vai se modificando pouco a pouco com o que vê. Embora no início da jornada ele compartilhe das visões do professor, no final do livro suas experiências o tornam cético sobre toda a filosofia e ele opta por dar uma solução mais prática aos problemas da vida.

Quando Pangloss começa a argumentar que tudo de ruim que havia acontecido na vida deles era um mal necessário que havia levado a essa conclusão feliz, Cândido diz que tudo bem, mas que “devemos cultivar nosso jardim”. Essas são as últimas palavras da história e têm a intenção de transmitir uma forte mensagem ao leitor.

é uma metáfora para fazer algo útil para a humanidade em vez de simplesmente falar sobre questões filosóficas abstratas.

O relojoeiro imaginário (David Hume)

Pense então na natureza: árvores, flores, mamíferos, pássaros, répteis, insetos e até amebas. Esses seres também dão a sensação de que foram criados. Organismos vivos são muito mais complexos do que qualquer relógio. Mamíferos têm sistemas nervosos complexos, sangue circulando pelo corpo e geralmente se adaptam muito bem aos lugares que habitam. Desse modo, com certeza um Criador incrivelmente poderoso e inteligente deve tê-los feito. Esse Criador–um relojoeiro divino ou um arquiteto divino–tem de ter sido Deus.

Esse argumento para a existência de Deus é conhecido, de modo geral, como argumento do desígnio.

O filósofo escocês David Hume (1711-1776) não estava convencido disso.

O argumento do desígnio prova a existência de Deus? Hume pensava que não. O argumento não fornece evidência suficiente para concluir que um ser onipotente, onisciente e onipresente deva existir. Grande parte da filosofia de Hume foi concentrada no tipo de evidência que podemos dar para apoiar nossas crenças. O argumento do desígnio baseia-se no fato de que o mundo parece ter sido projetado. Contudo, argumentava Hume, só porque parece projetado não quer dizer necessariamente que foi projetado; tampouco se segue que Deus tenha sido o projetista.

Hume pensava que estamos em uma situação semelhante em relação ao mundo que nos cerca. Nós vemos os efeitos de várias causas e tentamos descobrir a explicação mais provável desses efeitos. Vemos um olho humano, uma árvore, uma montanha, e tudo parece ter sido projetado. Mas o que dizer sobre o provável projetista?

Outro argumento que Hume atacou foi o dos milagres. A maioria das religiões afirma que milagres acontecem.

Hume acreditava que sempre havia explicações mais plausíveis sobre o que acontecia. Se seu amigo disse que viu alguém caminhando sobre a água, é sempre mais provável que ele esteja sendo enganado ou que tenha se equivocado do que ter testemunhado um milagre genuíno.

Até hoje há muitas pessoas que pulam direto para a conclusão de que todo som sem explicação durante a madrugada é o resultado de atividades sobrenaturais–fantasmas perambulando por aí–, e não devido a causas mais ordinárias como um rato ou o vento.

Embora tenha criticado sistematicamente os argumentos usados pelos crentes religiosos, Hume nunca declarou abertamente que era ateu. Talvez não tenha sido. Suas obras publicadas podem ser lidas como se afirmassem a existência de uma inteligência divina por trás de cada coisa no universo, só que jamais podemos dizer muito sobre as qualidades dessa inteligência divina.

Nascemos livres (Jean-Jacques Rousseau)

Rousseau acreditava que a verdadeira religião vinha do coração e não precisava de cerimônias, mas foram suas ideias políticas que criaram os maiores problemas.

“O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado”, declarou ele no início de seu livro O contrato social. Não é surpreendente que os revolucionários soubessem essas palavras de cor. Maximilien Robespierre, assim como muitos dos líderes franceses, as considerava inspiradoras.

Segundo Rousseau, os seres humanos são naturalmente bons. Não causaríamos muitos problemas se morássemos numa floresta, deixados com nossos próprios recursos. Mas basta sermos retirados desse estado de natureza e colocados em cidades para as coisas começarem a dar errado. Tornamo-nos obcecados por tentar dominar os outros e obter a atenção dos outros. Essa postura competitiva diante da vida tem efeitos psicológicos terríveis, e a invenção do dinheiro só os piora ainda mais.

Todavia, Rousseau acreditava que havia uma saída. Sua solução foi baseada na ideia de vontade geral. A vontade geral é o que quer que seja melhor para toda a comunidade, todo o Estado.

Mas Rousseau acreditava que, como indivíduos vivendo em um Estado, nós podemos tanto ser livres quanto obedecer às leis do Estado; para ele, em vez de opostas, as ideias de liberdade e obediência poderiam ser unificadas.

a vontade geral é o que todos devem querer, o que seria bom para toda a comunidade, e não só para cada um dos indivíduos pensando de modo egoísta.

A verdadeira liberdade, para Rousseau, é fazer parte de um grupo de pessoas que busquem o que é de interesse da comunidade. Nossos desejos devem coincidir com o que é melhor para todos, e as leis devem nos ajudar a evitarmos agir de modo egoísta.

Nessa visão, só somos livres de verdade quando seguimos a vontade geral, mesmo quando somos forçados a fazê-lo. Essa era a crença de Rousseau, mas muitos pensadores posteriores, incluindo John Stuart Mill (ver Capítulo 24), argumentaram que a liberdade política deve ser a liberdade para que o indivíduo faça as próprias escolhas sempre que possível. Na verdade, há algo levemente sinistro na ideia de Rousseau, que reclamou do fato de a humanidade estar acorrentada, em sugerir que forçar alguém a fazer algo é outra espécie de liberdade.

Realidade cor-de-rosa (Immanuel Kant – 1)

Se usarmos óculos com lentes cor-de-rosa, elas vão colorir todos os aspectos da nossa experiência visual.

Immanuel Kant (1724-1804) acreditava que todos nós compreendemos o mundo por um filtro como esse. O filtro é a mente humana. Ela determina como experimentamos tudo e impõe determinada forma na experiência.

Não temos acesso direto ao modo como é o mundo. E também jamais podemos tirar os óculos e ver as coisas como realmente são. Esse filtro está preso em nós, e sem ele seríamos totalmente incapazes de experimentar qualquer coisa. Tudo o que podemos fazer é reconhecer que a existência dele e entender como ele afeta e colore o que experimentamos.

Como a maioria dos filósofos, Kant passou a vida tentando entender nossa relação com a realidade. Basicamente é disso que trata a metafísica, e ele foi um dos maiores metafísicos da história. Kant interessava-se particularmente pelos limites do pensamento, os limites daquilo que podemos conhecer e entender.

A rigor, não podemos saber absolutamente nada sobre o mundo numênico, ou ao menos não conseguimos ter informações sobre ele de modo direto. No entanto, podemos conhecer o mundo fenomênico, o mundo que nos cerca, o mundo que experienciamos com os sentidos. Olhe pela janela. O que você vê é o mundo dos fenômenos–grama, carros, céu, prédios ou qualquer outra coisa. Não podemos ver o mundo numênico, somente o fenomênico, mas o mundo numênico se oculta por trás de todas as nossas experiências. Ele é o que existe em um nível mais profundo.

Ele pensava que o conhecimento que revela verdades sobre o mundo, ainda que surja independentemente da experiência, é possível. Para descrever esse tipo de conhecimento, Kant apresentou a categoria especial do conhecimento sintético a priori. Um exemplo de conhecimento sintético a priori, que o próprio Kant usava, é a equação matemática 7 + 5 = 12. Embora muitos filósofos pensassem que essas verdades são analíticas, uma questão da definição de símbolos matemáticos, Kant acreditava que somos capazes de saber a priori que 7 + 5 é igual a 12 (não precisamos verificar a informação com objetos ou observações no mundo).

Se Kant estiver correto, trata-se de um grande avanço. Antes dele, filósofos que investigaram a natureza da realidade trataram-na simplesmente como algo que está além de nós e que causa nossa experiência. A dificuldade, portanto, era como poderíamos ter acesso a essa realidade a fim de dizermos algo de significativo sobre ela sem que o dito não passasse de meros palpites. O grande insight de Kant foi o de que, pelo poder da razão, nós poderíamos descobrir características de nossa mente que colorem toda a nossa experiência. Ao refletir de maneira árdua sobre as coisas, poderíamos fazer descobertas sobre a realidade que tinham de ser verdadeiras, e não apenas por definição: elas poderiam ser informativas. Kant acreditava que, pelo argumento lógico, ele conseguiu o equivalente a provar que o mundo necessariamente devia nos aparecer como cor-de-rosa. Ele não só provou que todos estamos usando óculos com lentes cor-de-rosa, como também fez descobertas sobre as várias tonalidades de rosa que esses óculos conferem a toda a experiência.

Depois de responder satisfatoriamente às questões fundamentais sobre nossa relação com a realidade, Kant voltou sua atenção para a filosofia moral.

E se todos fizessem isso? (Immanuel Kant – 2)

Kant pensava que as emoções não deviam se misturar com a moral. O fato de termos ou não emoções não passa de uma questão de sorte. Algumas pessoas sentem compaixão e empatia, outras não. Algumas são medíocres e acham difícil ser generosas; outras se sentem extremamente alegres por doar dinheiro e posses para ajudar os outros. Mas ser bom é algo que toda pessoa razoável deveria ser capaz de atingir por meio das próprias escolhas. Para Kant, se você ajuda o rapaz porque sabe que é seu dever, está agindo moralmente. Esta é a coisa certa a fazer porque é o que todos fariam se estivessem na mesma situação.

Pense na parábola do bom samaritano. Ele ajuda um homem necessitado que vê deitado na beira da estrada. Todos os outros apenas passam e vão embora. O que faz do bom samaritano um homem bom? Se o samaritano ajudasse o homem pensando que com isso iria para o céu, esta não seria, na visão de Kant, uma ação moral. Ele estaria cuidando do homem como uma forma de chegar a algum lugar–um meio para um fim. Se o ajudasse somente por compaixão, não seria nada bom aos olhos de Kant. Contudo, se o ajudasse porque reconhece que faz parte do seu dever e que seria a coisa certa a fazer naquela circunstância, Kant diria que o bom samaritano foi moralmente bom.

Ele acreditava que não deveríamos mentir–em nenhuma circunstância. Nem mesmo para proteger uma amiga de um suposto assassino. Mentir é sempre moralmente errado. Sem exceção, sem desculpas–porque não podemos elaborar um princípio moral de que todos devem mentir quando lhes for apropriado. Nesse caso, se você tivesse mentido e sua amiga tivesse ido para o parque sem você ter visto, você seria o culpado do assassinato dela. Até certo ponto, a morte dela teria sido sua culpa.

Todos nós temos o dever absoluto de dizer a verdade ou, como dizia ele, um imperativo categórico de dizê-la.

O seu dever moral é o seu dever moral, quaisquer que sejam as consequências, quaisquer que sejam as circunstâncias.

Sempre pergunte a si mesmo: “E se todos fizessem isso?”. Não faça uma defesa própria. Kant acreditava que, na prática, isso significava que não deveríamos usar os outros, mas sim tratá-los com respeito, reconhecendo a autonomia das pessoas e sua capacidade como indivíduos de tomar, por conta própria, decisões pensadas. Essa reverência pela dignidade e pelo valor dos seres humanos individuais é o cerne da teoria moderna dos direitos humanos. É a grande contribuição de Kant para a filosofia moral.

Imagine que você tenha um comércio que venda frutas. Quando as pessoas compram suas frutas, você sempre as trata educadamente e devolve o troco correto. Talvez você faça isso por julgar que é bom para os negócios e que as pessoas voltarão para gastar mais dinheiro no seu comércio. Se essa é a única razão que o leva a devolver o troco correto, você está tratando as pessoas como um meio para obter o que quer.

Entretanto, se você devolve o troco correto porque reconhece que é seu dever não enganar os outros, trata-se de uma ação moral, pois é baseada na máxima “Não engane os outros”, uma máxima que ele acreditava aplicar-se a todos os casos. Enganar as pessoas é uma forma de usá-las para obtermos o que queremos.

Contentamento prático (Jeremy Bentham)

Mas muito mais importante e influente do que isso foi a teoria de Bentham sobre como deveríamos viver. Essa ideia de Bentham, conhecida como utilitarismo ou princípio da maior felicidade, afirmava que a coisa certa a fazer é a que produziria a maior felicidade.

Felicidade é prazer e ausência da dor. Quanto maior for o prazer ou quanto maior a quantidade de prazer sobre a dor, maior será a felicidade. Para ele, os seres humanos eram muito simples. A dor e o prazer são as grandes diretrizes de vida que a natureza nos deu. Nós buscamos experiências prazerosas e evitamos as dolorosas.

Mas como fazemos para medir a felicidade? Pense numa época em que foi realmente feliz. Como foi essa época? Você consegue classificar sua felicidade com um número?

Bentham certamente acreditava que o prazer podia ser quantificado e diferentes prazeres comparados na mesma escala, nas mesmas unidades.

Cálculo felicífico foi o nome que ele deu ao método para calcular a felicidade. Primeiro, descubra o quanto de prazer causará uma ação específica. Leve em consideração quanto tempo o prazer vai durar, sua intensidade e a probabilidade de originar outros prazeres. Depois subtraia quaisquer unidades de dor que possam ser causadas pela ação. O que restar é o valor de felicidade da ação. Bentham chamava isso de “utilidade”, pois, quanto mais prazer uma ação ocasionar, mais útil ela será para a sociedade. É por isso que a teoria é conhecida como utilitarismo.

Se um amigo pergunta se uma calça jeans nova caiu bem ou não, alguém que segue as ideias de Kant teria de dizer a verdade, mesmo que não fosse o que o amigo quisesse ouvir; um utilitarista calcularia se a maior felicidade resultaria de dizer uma mentira leve. Se sim, a mentira será a resposta certa.

Para a infelicidade de Bentham, houve uma crítica devastadora à sua abordagem geral por enfatizar que todas as causas possíveis do prazer sejam tratadas igualmente.

Robert Nozick (1938-2002) criou o seguinte experimento mental. Imagine um aparelho de realidade virtual que nos dá a ilusão de viver a nossa própria vida, mas sem o risco de sofrer ou sentir dor. Depois de estarmos conectados durante algum tempo a esse aparelho, esqueceremos que não estamos mais experimentando a realidade de modo direto e seremos totalmente tomados pela ilusão. Esse aparelho gera uma grande variedade de experiências que nos são prazerosas. É como um gerador de sonhos–ela pode nos fazer imaginar, por exemplo, que estamos marcando o gol decisivo da Copa do Mundo ou tendo as férias dos nossos sonhos.

A coruja de Minerva (Georg W. F. Hegel)

Hegel nasceu em Stuttgart, no que hoje é a Alemanha, em 1770 e cresceu na era da Revolução Francesa, quando a monarquia fora superada, e uma nova república, estabelecida.

as ideias que temos estão diretamente relacionadas à época em que vivemos e não podem ser totalmente compreendidas fora de seu contexto histórico. Hegel acreditava que, na época em que viveu, um estágio importantíssimo na história havia sido atingido.

Para Hegel, a realidade está constantemente movendo-se na direção do seu objetivo de entender a si mesma. A história não é absolutamente aleatória. Ela está indo para algum lugar. Quando a olhamos em retrocesso, vemos que ela tinha de se desdobrar dessa maneira.

Hegel acreditava que uma das maneiras de progredirmos no pensamento é pelo embate de uma ideia e seu oposto, e que podemos chegar mais perto da verdade seguindo seu método dialético. Primeiro, alguém apresenta uma ideia–uma tese. Essa tese é confrontada com sua contradição, com uma visão que a desafie–sua antítese. Desse confronto entre duas posições surge uma terceira posição mais complexa, que leva em consideração as duas anteriores–uma síntese. E depois, na maioria dos casos, essa síntese começa todo o processo novamente. A nova síntese torna-se uma tese, que é confrontada com uma antítese. Tudo isso continua acontecendo até que ocorra o pleno entendimento-de-si por parte do Espírito.

São os filósofos, acreditava ele, que acabam percebendo o derradeiro padrão de desdobramento dos eventos humanos. Eles admiram o modo como a dialética produziu um despertar gradual. De repente, tudo se torna claro para eles, e o objetivo do todo da história humana torna-se óbvio. O Espírito entra em uma nova fase do entendimento de si. Essa é a teoria, seja como for.

Vislumbres de realidade (Arthur Schopenhauer)

A vida é dolorosa, e seria melhor não ter nascido. Poucas pessoas têm essa perspectiva pessimista como Arthur Schopenhauer (1788-1860). Segundo ele, todos nós estamos presos em um ciclo de querer as coisas, obter as coisas e depois querer mais coisas.

Buda ensinava que toda vida envolve sofrimento, mas que em um nível profundo não há coisas como “si mesmo”: se reconhecermos isso, poderemos atingir a iluminação. Essa semelhança não era coincidência. Ao contrário da maioria dos filósofos ocidentais, Schopenhauer baseara-se amplamente na filosofia oriental. Ele tinha até mesmo uma estátua de Buda em sua mesa, que ficava perto da estátua de Immanuel Kant, outra grande influência para ele.

A principal ideia no cerne da obra era bastante simples. A realidade tem dois aspectos. Ela existe tanto como Vontade quanto como Representação. A Vontade é a força propulsora cega, encontrada em absolutamente todas as coisas que existem. É a energia que faz as plantas e os animais crescerem, mas também é a força que faz as bússolas apontarem para o norte e os cristais se formarem nos compostos químicos. Ela está presente em cada parte da natureza. O outro aspecto, o mundo como Representação, é o mundo como o experimentamos.

A Vontade (com inicial maiúscula) é despropositada ou, como ele costuma dizer, “cega”. Ela não tenta provocar nenhum resultado em particular. Ela não tem objetivo ou meta. Ela é apenas esse grande surto de energia que está em todos os fenômenos naturais, bem como em nossos atos conscientes de ter vontade das coisas. Para Schopenhauer, não há um Deus que a direcione.

A música é a melhor forma de arte para isso. De acordo com Schopenhauer, isso ocorre porque a música é uma cópia da Vontade em si. Para ele, isso explicava o poder da música de nos tocar tão profundamente. Se ouvirmos uma sinfonia de Beethoven quando estivermos na disposição correta para isso, além de sermos estimulados emocionalmente, vislumbraremos a realidade como ela verdadeiramente é.

Para Schopenhauer, causar mal aos outros é também causar mal a si próprio. Este é o fundamento de toda a moral. Se eu mato você, destruo uma parte da força vital que une todos nós. Quando alguém causa o mal a outra pessoa, é como uma cobra que morde a própria cauda sem saber que está fincando as presas na própria carne. Desse modo, a moral básica que Schopenhauer ensinava era a da compaixão.

Há outro método mais extremo de lidar com o ciclo do desejo. Para evitar ficar preso desse modo, simplesmente distancie-se do mundo inteiro e torne-se um asceta: viva uma vida de castidade e pobreza. Schopenhauer acreditava que essa seria a forma ideal de enfrentar a existência, a solução pela qual optaram muitos religiosos orientais. Contudo, o próprio Schopenhauer nunca se tornou um asceta, apesar de se retrair da vida social quando envelheceu.

Espaço para crescer (John Stuart Mill)

Imagine que você tenha vivido distante de outras crianças durante a maior parte de sua infância. Em vez de passar o tempo brincando, você aprenderia grego e álgebra com um professor particular, ou se envolveria em conversas com adultos extremamente inteligentes. O que você teria se tornado? Isso foi mais ou menos o que aconteceu com John Stuart Mill (1806-1873). Ele foi um experimento educacional. Seu pai, James Mill, amigo de Jeremy Bentham, tinha a mesma visão de Locke de que a mente das crianças era vazia, como um quadro branco.

O impressionante resultado foi que, aos três anos de idade, John já estudava grego antigo. Aos seis, escrevera uma história de Roma e aos sete já entendia os diálogos de Platão na língua original. Aos oito, começou a aprender latim. Aos doze, tinha um conhecimento abrangente de história, economia e política, conseguia resolver equações matemáticas e demonstrava um interesse apaixonado e sofisticado por ciência. Ele era um prodígio. Aos vinte anos, já era um dos pensadores mais brilhantes de sua era, embora jamais tenha de fato superado sua estranha infância e permanecido solitário e um pouco distante durante toda a vida.

Por que acreditar em Mill? Sua resposta era a de que quem experimentasse tanto prazeres superiores quanto inferiores preferiria os superiores. Um porco não pode ler ou escutar música clássica, então sua opinião sobre isso não valeria. Se um porco pudesse ler, ele preferiria ler a rolar na lama.

Mill aplicava seu pensamento utilitarista a todos os aspectos da vida. Ele pensava que os seres humanos se pareciam um pouco com as árvores. Se não damos à árvore o espaço necessário para ela se desenvolver, ela será fraca e retorcida. Todavia, na posição correta, ela pode realizar todo o seu potencial, atingindo uma altura e uma extensão consideráveis.

Em 1859, Mill publicou um livro curto, porém inspirador, defendendo sua visão de que dar às pessoas o espaço que julgam ser conveniente para se desenvolverem era a melhor maneira de organizar a sociedade. Esse livro chama-se Sobre a liberdade e ainda hoje é amplamente lido.

A mensagem de Mill era simples e ficou conhecida como princípio do dano. Todo adulto deveria ser livre para viver como quiser, desde que ninguém seja prejudicado no processo.

E mesmo que não saibamos, pensava Mill, é melhor que cometamos os próprios erros do que sermos forçados a nos adaptar a um modo de vida. Isso está em consonância com o utilitarismo, pois Mill acreditava que aumentar a liberdade individual gera uma felicidade maior para todos do que se essa liberdade for limitada.

Os gênios, de acordo com Mill (que era o próprio gênio), precisam ter mais liberdade do que todos nós para se desenvolverem. Eles raramente correspondem às expectativas da sociedade em relação ao seu modo de comportamento e costumam parecer excêntricos.

Muitas pessoas discordavam dele. Algumas pensavam que sua abordagem à liberdade era centrada demais na ideia de que o importante é o que os indivíduos sentem em relação a suas próprias vidas (algo muito mais individualista, por exemplo, que o conceito de liberdade de Rousseau,

Mill defendeu em A sujeição das mulheres (1869) que os sexos deveriam ser tratados igualmente, tanto no Direito quanto na sociedade de modo geral. Algumas pessoas que o cercavam diziam que as mulheres eram naturalmente inferiores aos homens. Ele questionava como era possível afirmar isso quando as mulheres quase sempre foram proibidas de atingir todo o seu potencial: elas eram mantidas afastadas da educação superior e de muitas profissões. Acima de tudo, Mill queria uma maior igualdade entre os sexos.

Design não inteligente (Charles Darwin)

Isso é o que Darwin diria. Todos tinham primatas em sua árvore genealógica.

O furor causado por essa ideia começou praticamente no momento em que o livro A origem das espécies foi publicado em 1859. Depois disso, não foi mais possível pensar nos seres humanos como seres totalmente diferentes do reino animal.

Darwin era biólogo e geólogo, não filósofo. Talvez então você se pergunte por que há um capítulo sobre ele neste livro. A razão é que sua teoria da evolução pela seleção natural e suas versões modernas tiveram um profundo impacto na maneira como os filósofos–e os cientistas–pensam sobre a humanidade. Trata-se da teoria científica mais influente de todos os tempos. O filósofo contemporâneo Daniel Dennett a chamou de “a melhor ideia que alguém já teve”.

ele apresentou a ideia de que as plantas e os animais mais bem-adaptados ao ambiente tinham uma probabilidade maior de sobreviver durante um tempo suficiente para passar adiante para os descendentes algumas de suas características. Durante longos períodos, esse padrão produziu plantas e animais que parecem ter sido criados para viver nos ambientes em que foram encontrados.

O darwinismo pode ter mais ou menos destruído o tradicional argumento do desígnio e abalado a fé religiosa de muitas pessoas. No entanto, o próprio Darwin parecia ter uma mente aberta em relação à existência ou não de Deus. Em uma carta escrita para um amigo cientista, ele declarou que ainda não estamos preparados para ter uma conclusão sobre o assunto: “A questão toda é profunda demais para o nosso intelecto”, explicou ele, acrescentando: “Seria como um cachorro especulando sobre a mente de Newton”.

Os sacrifícios da vida (Søren Kierkegaard)

No último segundo, no entanto, Deus manda um anjo para impedi-lo de cometer o assassinato. Em vez disso, Abraão sacrifica um carneiro apanhado no campo ali perto. Deus recompensa a lealdade de Abraão permitindo que o filho viva.

Essa história tem uma mensagem. Comumente se pensa que a moral é “Tenha fé, faça o que Deus pede e tudo vai melhorar”. O propósito é não é duvidar da palavra de Deus. Porém, para o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855), não era tão simples assim. Em seu livro Temor e tremor (1842), ele tentou imaginar o que teria se passado na mente de Abraão, as questões, o medo e a angústia, enquanto fez a jornada de três dias de casa até a montanha, onde pensou que teria de matar Isaac.

A tomada de decisões está incorporada no título de uma de suas principais obras: Ou/ ou. Esse livro dá ao leitor uma escolha entre uma vida de prazeres e perseguição da beleza ou uma vida baseada em regras morais convencionais, uma escolha entre o estético e o ético.

Kierkegaard acreditava que, às vezes, deveres sociais comuns, como o de que um pai deve sempre proteger o filho, não são os valores mais elevados que existem. O dever de obedecer a Deus supera o dever de ser um bom pai, supera na verdade qualquer dever. De uma perspectiva humana, Abraão poderia parecer desumano e imoral sequer por ter considerado sacrificar o filho. Mas é como se o comando de Deus fosse um trunfo que decide o jogo, independentemente de qual seja o comando de Deus. Não há nenhuma carta mais alta no baralho e, portanto, a ética humana deixa de ser relevante. Contudo, a pessoa que abandona a ética em nome da fé toma uma decisão angustiante, arriscando tudo sem saber quais seriam os benefícios possíveis dessa ação ou o que aconteceria, sem saber ao certo se a mensagem era realmente de Deus. Quem escolhe esse caminho está totalmente sozinho.

Trabalhadores do mundo, uni-vos! (Karl Marx)

No século XIX, havia milhares de fiações no norte da Inglaterra. As altas chaminés soltavam fumaça negra, poluindo as ruas e cobrindo tudo de fuligem. Nas fiações, homens, mulheres e crianças trabalhavam durante longas horas–geralmente catorze por dia–para manter as máquinas em funcionamento.

Enquanto isso, os proprietários das fiações enriqueciam. Sua principal preocupação era obter lucro. Eles detinham o capital (dinheiro que podia ser usado para fazer mais dinheiro); eram donos do prédio e das máquinas e, de certa forma, eram donos dos trabalhadores, que por sua vez não tinham quase nada.

Quando o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) começou a escrever, na década de 1830, essas eram as condições que a Revolução Industrial havia produzido não só na Inglaterra, mas em toda a Europa. E isso o deixava furioso.

Para Marx, toda a história humana podia ser explicada como uma luta de classes: a luta entre a classe capitalista rica (a burguesia) e a classe trabalhadora (ou proletariado). Essa relação impedia que os seres humanos atingissem seu potencial e transformava o trabalho em algo doloroso, em vez de um tipo de atividade compensadora.

Marx acreditava que o destino do capitalismo era destruir a si mesmo. O proletariado estava destinado a assumir o controle de uma revolução violenta. Por fim, de todo esse sangue derramado surgiria um mundo melhor, um mundo em que as pessoas não mais seriam exploradas, mas poderiam ser criativas e cooperar umas com as outras. Cada pessoa contribuiria com o que pudesse para a sociedade, e a sociedade, por sua vez, cuidaria das pessoas: “De todos, segundo sua capacidade; para todos, segundo sua necessidade”, era a visão de Marx. Ao assumir o controle das fábricas, os trabalhadores garantiriam que houvesse o suficiente para que todos tivessem o que precisavam. Ninguém precisava passar fome ou não ter o que vestir ou onde se abrigar. Esse futuro era o comunismo, um mundo baseado na partilha dos benefícios da cooperação.

no Manifesto comunista de 1848, o qual ele escreveu com Engels, Marx conclamou os trabalhadores do mundo a se unirem e superarem o capitalismo. Refletindo as primeiras linhas de Jean-Jacques Rousseau em O contrato social (ver Capítulo 18), eles declararam que os trabalhadores não tinham nada a perder, exceto suas correntes.

Em substituição à luta de classes, Marx e Engels prenunciaram onde não haveria propriedade de terras, não haveria herança, a educação seria gratuita e as fábricas públicas produziriam para todos. Também não haveria a necessidade de religião ou moral. A religião, conforme declarou em uma passagem conhecida, era “o ópio do povo”: era como uma droga que mantinha as pessoas adormecidas para que não percebessem sua verdadeira condição oprimida. No novo mundo depois da revolução, os seres humanos atingiriam sua humanidade. O trabalho seria significativo, e todos cooperariam de modo a beneficiar a todos. A revolução era a forma de atingir isso–e isso significava violência, pois seria improvável que os ricos abrissem mão de suas riquezas sem lutar.

Elas foram contagiantes e inspiraram revoluções reais na Rússia em 1917 e em outros lugares. Infelizmente, a União Soviética–o gigantesco Estado que surgiu, abarcando a Rússia e alguns países vizinhos–junto com a maioria dos outros países comunistas criados no século XX nas linhas marxistas provaram-se opressores, ineficientes e corruptos.

a natureza humana nos torna mais competitivos e gananciosos do que o normal: na visão deles, não há possibilidade de os seres humanos cooperarem totalmente em um Estado comunista–simplesmente não somos assim.

O principal interesse de Marx estava nas relações econômicas, posto que, em sua visão, elas dão forma a tudo aquilo que somos e podemos vir a ser.

E daí? (C. S. Peirce e William James)

William James: o pragmatismo preocupa-se com as consequências práticas–o “valor prático” do pensamento. Se não há nada que dependa da resposta, não importa o que decidirmos. Tudo depende de por que queremos saber a resposta e qual a diferença que ela de fato vai fazer.

Peirce (1839-1914) acreditava que, para uma sentença ser verdadeira, tem de haver algum experimento ou observação possível que a apoie.

Peirce detestava teorias abstratas que não faziam a menor diferença na prática.

James desenvolveu sua própria versão da teoria, que popularizou em ensaios e conferências. Para ele, o pragmatismo resume-se a isto: a verdade é o que funciona.

A morte de Deus (Friedrich Nietzsche)

“Deus está morto.” Essa é a citação mais famosa do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).

Em seu livro A gaia ciência (1882), Nietzsche colocou a frase “Deus está morto” na boca de um personagem que segura um lampião e procura por Deus em todos os lugares, mas não consegue encontrá-lo. Os habitantes do vilarejo pensam que ele é louco.

Se Deus está morto, o que acontece depois? Esta é a questão que Nietzsche faz a si mesmo. Sua resposta é a de que ficamos sem uma base para a moral. Nossas ideias de certo, errado, bem e mal fazem sentido em um mundo onde há um Deus, e não em um mundo sem Deus. Quando tiramos Deus da jogada, tiramos com ele a possibilidade de diretrizes claras sobre como devemos viver e sobre o que devemos valorizar.

Onde outrora a religião deu um significado à ação moral e impôs limites a ela, a ausência de Deus tornou tudo possível e rompeu todos os limites. A vantagem, ao menos na perspectiva de Nietzsche, era que os indivíduos agora podiam criar seus próprios valores. Podiam transformar suas vidas no equivalente a obras de arte ao desenvolver seu próprio estilo de vida.

Segundo Nietzsche, as virtudes cristãs de cuidar dos mais fracos e indefesos tinham origens surpreendentes. Podemos pensar que a compaixão e a bondade são obviamente boas. Provavelmente você foi educado para louvar a bondade e desprezar o egoísmo. O que Nietzsche sustentava é que os nossos padrões de pensamento e sentimento têm uma história. Depois que conhecemos a história ou “genealogia” de como passamos a ter os conceitos que temos, fica difícil pensar neles como conceitos fixos o tempo inteiro, como fatos de alguma forma objetivos sobre como deveríamos agir.

Em Assim falou Zaratustra (1883-1892), Nietzsche escreveu sobre o Übermensch ou “Sobre-homem”. O termo descreve uma pessoa imaginada no futuro que não está presa aos códigos morais convencionais, mas vai além deles, criando novos valores. Talvez influenciado pelo próprio entendimento da teoria da evolução de Charles Darwin, Nietzsche tenha visto o Übermensch como o próximo passo no desenvolvimento da humanidade. Isso é um pouco preocupante, porque parece dar suporte às pessoas que se veem como heroicas e querem seguir o próprio caminho sem pensar nos interesses dos outros. E, pior ainda, foi uma ideia que os nazistas tiraram da obra de Nietzsche e usaram para sustentar suas visões deformadas sobre uma raça dominante, embora a maioria dos acadêmicos diga que os nazistas distorceram o que Nietzsche realmente escreveu.

Ao contrário de Immanuel Kant, que celebrava a razão, Nietzsche sempre enfatizou como as emoções e as forças irracionais exercem um papel importante na construção dos valores humanos. É quase certo que suas visões tenham influenciado Sigmund Freud, cuja obra explorou a natureza e o poder dos desejos inconscientes.

Pensamentos disfarçados (Sigmund Freud)

De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a terceira grande revolução no pensamento humano havia sido causada por sua própria descoberta: o inconsciente. Ele percebeu que grande parte das nossas ações é movida por desejos escondidos de nós. Não podemos acessá-los diretamente, mas isso não impede que eles afetem o que fazemos. Há coisas que queremos fazer e não percebemos que queremos fazê-las. Esses desejos inconscientes exercem uma influência profunda em nossa vida e na maneira como organizamos a sociedade. Eles são a fonte dos melhores e piores aspectos da civilização humana.

Freud era fascinado pela histeria e por outros tipos de neurose.

Freud propôs a ideia de que a verdadeira fonte dos problemas dessas pessoas era um tipo de memória ou desejo perturbador. Essa memória ou desejo era inconsciente, e as pessoas não faziam ideia de que os tinham. Freud pedia que seus pacientes se deitassem em um divã e falassem tudo o que lhes viesse à mente, e isso costumava fazê-los se sentir muito melhor à medida que liberavam suas ideias. Essa “livre associação”, que permite um fluxo de ideias, gerou resultados surpreendentes, tornando consciente o que antes era inconsciente. Ele também pedia que os pacientes relatassem seus sonhos. De alguma maneira, essa “cura pela fala” destravava os pensamentos problemáticos e eliminava alguns dos sintomas. Era como se o ato da fala liberasse a pressão causada pelas ideias com as quais os pacientes não queriam se confrontar. Foi o nascimento da psicanálise.

Para Freud, os sonhos eram “a estrada real para o inconsciente”, uma das melhores maneiras de descobrir pensamentos escondidos. As coisas que vemos e vivenciamos nos sonhos não são o que parecem. Há o conteúdo de superfície, o que parece estar acontecendo, mas o conteúdo latente é o verdadeiro significado do sonho. É isso que o psicanalista tenta entender. Aquilo que encontramos nos sonhos são símbolos que representam os desejos escondidos em nossa mente inconsciente.

Nem todos os desejos inconscientes são sexuais ou violentos. Alguns revelam um conflito fundamental. Podemos querer algo em nível consciente, e não quer em nível inconsciente. Imagine que você precise passar numa prova importantíssima para ingressar na universidade. Conscientemente, você se esforça como pode para se preparar para a prova. Estuda os assuntos relevantes que caíram em provas passadas, rascunha respostas para possíveis perguntas e verifica se colocou o relógio para despertar cedo, de modo que não se atrase. Tudo parece correr bem. Você acorda no horário, toma o café da manhã, pega o ônibus e percebe que vai chegar um pouco adiantado. Nesse momento, você dorme sem querer dentro do ônibus. Porém, quando acorda, percebe que, para seu horror, você passou do ponto onde deveria descer e agora está em uma parte da cidade completamente diferente e que não há chance de chegar ao lugar certo a tempo de fazer a prova. O seu medo das consequências de passar no exame parece ter sobrepujado seus esforços conscientes. Em um nível profundo, você não quer ter sucesso. Seria assustador demais admitir esse desejo para si mesmo, mas é ele que seu inconsciente está lhe mostrando. Freud aplicava essa teoria não só aos pacientes neuróticos, mas também a crenças culturais comuns. Em particular, ele deu uma explicação psicanalítica do motivo de as pessoas serem tão atraídas pela religião.

Talvez você pense que acredita em Deus porque ele existe, mas Freud achava que você acredita em Deus porque ainda sente a necessidade de proteção que sentia quando era criança. Na visão de Freud, todas as civilizações basearam-se nessa ilusão – a ilusão de que existe uma forte figura paterna em algum lugar lá fora que irá satisfazer suas necessidades não satisfeitas de proteção.

Descartes acreditava que a mente era transparente para si mesma. Ele acreditava que, quando temos um pensamento, somos de fato capazes de ter consciência dele. Depois de Freud, a possibilidade da atividade mental inconsciente teve de ser reconhecida.

Boo! Hooray! (Alfred Jules Ayer)

“Metafísica” é uma palavra usada para descrever o estudo de qualquer realidade subjacente aos nossos sentidos, o tipo de coisa na qual Kant, Schopenhauer e Hegel acreditavam. Para Ayer, no entanto, “metafísica” era uma palavra suja; ele era contra ela. Ayer só estava interessado no que podia ser conhecido por meio da lógica ou dos sentidos. Contudo, a metafísica muitas vezes ia além disso e descrevia realidades que não podiam ser investigadas científica ou conceitualmente. No que se refere a Ayer, isso significava que ela não tinha absolutamente uso nenhum e deveria ser descartada.

A maneira que Ayer encontrou de distinguir frases com sentido de frases sem sentido foi a seguinte. Pegue qualquer frase e faça essas duas perguntas: Ela é verdadeira por definição? É empiricamente verificável? Se não fosse nenhuma das duas coisas, não fazia sentido. Este era seu duplo teste da significação. Somente declarações verdadeiras por definição ou empiricamente variáveis teriam utilidade para os filósofos.

A angústia da liberdade (Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus)

Quando os aliados derrotaram a Alemanha, chegou a hora de começar de novo. Houve tanto um alívio pelo término da guerra quanto a sensação de que o passado havia sido deixado para trás. Era o momento de refletir sobre que tipo de sociedade deveria existir. Depois das coisas terríveis que aconteceram na guerra, todas as pessoas faziam-se as mesmas perguntas que os filósofos faziam, como “Qual o propósito da vida?”, “Deus existe?” ou “Devo sempre fazer o que esperam que eu faça?”.

Seres humanos não têm essência. Sartre acreditava que não estamos aqui por alguma razão. Não há um modo particular de ser para que sejamos humanos. O ser humano pode escolher o que fazer, o que se tornar. Todos nós somos livres. Ninguém, além de nós mesmos, decide o que fazemos de nossas próprias vidas. Até mesmo quando deixamos os outros decidirem como devemos viver, estamos escolhendo. Seria uma escolha ser o tipo de pessoa que os outros esperam que sejamos.

Segundo Sartre, é sua escolha estar triste neste momento, caso esteja. Você não precisa estar triste. Se estiver, é responsável pela tristeza. Mas isso é assustador, e algumas pessoas prefeririam não encarar tal fato por ser doloroso demais. Ele fala sobre estarmos “condenados a ser livres”. Estamos presos à liberdade, quer gostemos ou não.

“Existencialismo” foi o nome que outras pessoas deram à filosofia de Sartre. O nome veio da ideia de que todos nós nos encontramos primeiro como existentes no mundo e depois temos de decidir o que faremos de nossa vida. Poderia ser o contrário: podíamos ser como um canivete, feito com um propósito específico, mas Sartre acreditava que não somos assim. Nos termos usados por ele, nossa existência precede nossa essência, enquanto a essência dos objetos criados vem antes da existência deles.

Outro tema importante do existencialismo era o absurdo da nossa existência. A vida só tem significado quando atribuímos a ela um sentido por meio das nossas escolhas, e em pouco tempo a morte vem e acaba com todo esse sentido. A versão dada por Sartre a essa ideia foi descrever o ser humano como “uma paixão inútil”: não há absolutamente nenhum propósito em nossa existência, só há o sentido criado por cada um de nós por meio das escolhas.

O existencialismo tornou-se cult. Milhares de jovens se sentiram atraídos por ele e discutiam o absurdo da existência humana até de madrugada. Ele inspirou romances, peças e filmes. Era uma filosofia que as pessoas podiam adotar e aplicar em suas decisões.

O homem que não fazia perguntas (Hannah Arendt)

Eichmann teve um papel significativo nesses crimes. Contudo, depois da Segunda Guerra Mundial, conseguiu escapar das forças aliadas e acabou chegando à Argentina, onde morou alguns anos em segredo.

Seria Eichmann um sujeito maligno, um sádico que se deleitava com o sofrimento dos outros? Isso era o que todos acreditavam antes de o julgamento começar. Teria outro motivo para participar desse holocausto? Durante muitos anos seu trabalho fora encontrar formas eficazes de enviar as pessoas para a morte. Certamente só um monstro seria capaz de dormir à noite depois desse tipo de trabalho. A filósofa Hannah Arendt (1906-1975), judia alemã que emigrou para os Estados Unidos, relatou o julgamento de Eichmann para a revista New Yorker. Ela queria ficar cara a cara com um produto do Estado totalitário nazista, uma sociedade em que não havia espaço para o indivíduo pensar por si próprio. Ela queria entender esse homem, ter uma ideia de como ele era e entender como ele podia ter feito coisas tão terríveis.

Ela mesma fugiu dos nazistas, deixou a Alemanha pela França, mas por fim se tornou uma cidadã dos Estados Unidos.

Arendt usou as palavras “a banalidade do mal” para descrever o que viu em Eichmann. Se algo é “banal”, é comum, entediante e sem originalidade. Segundo ela, o mal de Eichmann era banal no sentido de ser o mal de um burocrata, de um gerente, e não de uma pessoa má.

Eichmann, assim como muitos nazistas daquele período, não conseguia enxergar os fatos pela perspectiva dos outros. Não era corajoso o suficiente para questionar as regras que lhe eram dadas: apenas buscava a melhor maneira de segui-las. Carecia de imaginação.

Ele era um homem comum que, por não questionar o que fazia, fez parte de um dos atos mais malignos conhecido pela humanidade.

Aprendendo com os erros (Karl Popper e Thomas Kuhn)

Você acha que Newton reuniu evidências que – sem sombra de dúvidas que sua teoria era verdadeira? Não, segundo Karl Popper (1902-1994). Os cientistas, assim como todos nós, aprendem com seus erros. A ciência avança quando percebemos que determinado modo de pensar sobre a realidade é falso. Isso, em duas frases, era a visão de Karl Popper de como funciona a melhor esperança da humanidade em relação ao conhecimento sobre o mundo. Antes de Popper desenvolver suas ideias, a maioria das pessoas acreditava que os cientistas partem de um pressentimento sobre como o mundo funciona e depois reúnem evidências que mostram que o pressentimento estava correto.

Até Popper começar a escrever sobre o método científico, muitos cientistas e filósofos acreditavam que a maneira de fazer ciência era procurar evidências que dessem suporte a suas hipóteses. Se quiséssemos provar que todos os cisnes são brancos, teríamos de fazer uma série de observações de cisnes brancos.

Os filósofos também ficaram encantados pelo modo como Popper contornou o difícil problema da indução. Em 1962, no entanto, o historiador da ciência e físico norte-americano Thomas Kuhn publicou um livro chamado A estrutura das revoluções científicas, que contava uma história diferente a respeito dos avanços científicos, sugerindo que Popper tinha entendido tudo errado. Kuhn acreditava que Popper não havia examinado o bastante a história da ciência. Se o tivesse, teria visto surgir um padrão.

As coisas ficam interessantes quando acontece o que Kuhn chamava de “mudança de paradigma”. Uma mudança de paradigma acontece quando todo um modo de pensamento é derrubado. Isso pode acontecer quando os cientistas encontram fatos que não se encaixam no paradigma existente

O trem desenfreado e o violinista indesejado (Philippa Foot e Judith Jarvis Thomson)

Esta é uma versão de um experimento mental originalmente criado pela filósofa britânica Philippa Foot (1920-2010). Ela estava interessada em saber por que salvar cinco pessoas nos trilhos era aceitável e por que, em outros casos, sacrificar uma pessoa para salvar muitas não era aceitável. Imagine uma pessoa saudável entrando na ala de um hospital. Lá dentro há cinco pessoas que precisam desesperadamente de vários órgãos. Se uma delas não receber um transplante de coração, certamente morrerá. A outra precisa de um fígado, outra de um rim e assim por diante. Seria aceitável matar o paciente saudável e fatiar o corpo dele para fornecer os órgãos para os pacientes não saudáveis? Dificilmente. Ninguém acredita que seria aceitável matar a pessoa saudável, tirar o coração, os pulmões, o fígado, os rins e implantá-los nas outras cinco. No entanto, esse é um caso de sacrificar um para salvar cinco. Qual a diferença desse caso para o exemplo do trem?

Um experimento mental é uma situação imaginária criada para despertar sentimentos, ou o que os filósofos chamam de “intuições”, sobre determinada questão. Os filósofos fazem amplo uso deles. Os experimentos mentais permitem que nos concentremos bem mais no que está em jogo. Aqui, a questão filosófica é: “Quando é aceitável sacrificar uma vida para salvar mais vidas?”.

A filósofa norte-americana Judith Jarvis Thomson criou outra versão do problema original. O trem agora corre numa única linha que vai direto até os cinco infelizes trabalhadores que certamente serão mortos, a não ser que você faça alguma coisa. Você está em cima de uma ponte, e perto de você há um homem bem gordo. Ele é pesado o suficiente para que o trem desacelere e pare antes de atingir os cinco homens, mas para isso você precisa empurrá-lo da ponte. Supondo que você consiga empurrá-lo na frente do trem, você o faria?

A chamada lei do duplo efeito é uma explicação de por que pensamos que o caso da bifurcação nos trilhos é diferente do caso do homem gordo. Trata-se da crença de que não há problemas, por exemplo, em bater em alguém até a morte desde que seja para se defender quando nada pode proteger você. Os efeitos colaterais previsíveis de uma ação com boa intenção (nesse caso, salvar a si mesmo) podem ser aceitáveis, mas o mal proposital não. Não é certo envenenar alguém que está planejando matar você.

Justiça por meio da ignorância (John Rawls)

Talvez você seja rico. Talvez seja super-rico. Mas a maioria de nós não é rica, e algumas pessoas são tão pobres que passam a maior parte de sua curta vida famintas e doentes. Isso não parece justo ou correto – e certamente não o é.

John Rawls (1921-2002), acadêmico tranquilo e modesto de Harvard, escreveu um livro que mudou o modo de as pessoas pensarem nessas coisas. O livro chama-se Uma teoria da justiça (1971) e foi o resultado de quase vinte anos de duras reflexões.

A ideia brilhante de Rawls foi criar um experimento mental – que ele chamou de “a posição original” – que subestima alguns dos preconceitos egoístas que temos. A ideia central é bastante simples: criar uma sociedade melhor, mas sem saber qual posição nessa sociedade você ocupará. Você não sabe se será rico, pobre, deficiente, de boa aparência, homem, mulher, feio, burro ou inteligente, talentoso ou sem habilidades, homossexual, bissexual ou heterossexual. Ele acredita que, desse modo, você escolherá princípios mais justos por trás desse imaginário “véu da ignorância”, pois não sabe em qual posição estaria ou que tipo de pessoa seria. A partir desse simples recurso de escolher sem saber o seu próprio lugar, Rawls desenvolveu sua teoria da justiça. Tal teoria era baseada em dois princípios: liberdade e igualdade. Ele acreditava que ambos seriam aceitos por qualquer pessoa razoável.

Ao contrário de alguns filósofos da geração anterior, eles não têm medo de tentar respondê-las e de estimular a mudança social. Eles acreditam que a filosofia, na verdade, deveria mudar nossa maneira de viver, e não apenas mudar nosso modo de discutir como vivemos.

Os computadores podem pensar? (Alan Turing e John Searle)

Alan Turing (1912-1954) foi um destacado matemático de Cambridge que ajudou a inventar o computador moderno. Suas máquinas de processamento numérico construídas durante a Segunda Guerra Mundial em Bletchley Park, Inglaterra, decifraram o código “Enigma” usado pelos comandantes de submarinos alemães. Desse modo, os aliados conseguiam interceptar as mensagens e saber o que os nazistas estavam planejando. Intrigado pela ideia de que um dia os computadores poderiam fazer mais do que simplesmente decifrar códigos e de que poderiam ser genuinamente inteligentes, em 1950 ele sugeriu um teste pelo qual qualquer computador teria de passar. Esse teste ficou conhecido como teste de Turing para inteligência artificial, mas ele o chamou originalmente de jogo da imitação.

Eis o que Turing sugeriu. Um examinador fica em uma sala, digitando uma conversa na tela. O examinador não sabe se está conversando pela tela ou não com alguém que esteja em outra sala, ou se é o computador que gera as respostas. Se durante a conversa o examinador não conseguir perceber se há um ser humano respondendo, o computador passa no teste de Turing. Se e um computador passa no teste, então é razoável dizer que é inteligente – não só de maneira metafórica, como também da maneira que um ser humano pode ser inteligente.

Searle acha que os computadores são como alguém dentro do quarto chinês. Eles não são inteligentes e não conseguem pensar. Tudo o que fazem é reorganizar símbolos seguindo regras programadas neles por seus criadores. Os processos que usam estão incorporados no software. Mas isso é muito diferente de entender verdadeiramente alguma coisa ou de ter uma inteligência genuína. Em outras palavras, as pessoas que programam o computador dão a ele uma sintaxe: ou seja, fornecem regras sobre a ordem correta em que devem processar os símbolos. Porém, os programadores não dão ao computador uma semântica: não atribuem significados aos símbolos.

Escrevendo há mais de sessenta anos, Turing já estava convencido de que os computadores podiam pensar. Se estiver certo, talvez não demore tanto para que vejamos os computadores pensando sobre filosofia. Isso é mais provável de acontecer do que serem capazes de fazer nossa mente sobreviver à morte. Talvez um dia os computadores realmente tenham algo de interessante a dizer sobre as questões fundamentais de como deveríamos viver e sobre a natureza da realidade – tipos de questões com as quais os filósofos lidam há milhares de anos. Enquanto isso, precisamos confiar nos filósofos de carne e osso para esclarecer nosso pensamento nessas áreas.

O moscardo moderno (Peter Singer)

Mas por que você não sente por alguém que morre na África a mesma coisa que sente por uma criança que se afoga diante de você? Se você sente a mesma coisa, é alguém incomum. A maioria de nós não sente, mesmo que fiquemos levemente envergonhados por isso.

 O filósofo australiano Peter Singer (nascido em 1946) defendeu que a criança que se afoga diante de você e a criança que passa fome na África não são tão diferentes. Devemos nos importar mais do que nos importamos com aqueles que podemos salvar no mundo inteiro. Se não fizermos algo, as crianças que poderiam viver certamente vão morrer.

Talvez você diga que, se não der dinheiro para caridade, provavelmente alguém dará. O risco nesse caso é de todos nós virarmos espectadores, cada um partindo do pressuposto de que o outro fará o que é necessário.

Relacionado a esse ponto está o medo de dar dinheiro para auxiliar países estrangeiros, o que torna os pobres dependentes dos ricos e impede que encontrem seu caminho para produzir os próprios alimentos e construir as próprias moradias. Com o passar do tempo, isso pode deixar as coisas ainda piores do que se não dermos nada. Há exemplos de países inteiros que se tornaram dependentes da ajuda estrangeira. No entanto, isso não quer dizer que não devemos colaborar com a caridade, mas sim que devemos pensar seriamente nos tipos de ajuda que essas instituições oferecem. 

O argumento de Singer não quer dizer que simplesmente devemos dar dinheiro para ajudar os outros, mas sim que deveríamos contribuir com as instituições de caridade que mais provavelmente beneficiarão os mais frágeis economicamente de modo que ganhem forças para viver de maneira independente. A mensagem dele é clara: é quase certo que você possa ter uma influência genuína na vida de outras pessoas. E deveria.

Singer acredita que a eutanásia ou o assassinato misericordioso possam ser apropriados. Não há tanto propósito em manter a pessoa viva nesse estado, acredita ele, pois ela não tem capacidade de ter prazer nem escolher como quer viver. Não tem um forte desejo para continuar vivendo, já que é incapaz de ter qualquer desejo.

Singer acredita que todos nós deveríamos ser vegetarianos, e seu argumento baseia-se no fato de que facilmente poderíamos viver muito bem sem comer animais.

A filosofia, afinal de contas, prospera com o debate. Ela avança quando as pessoas assumem posições contrárias e argumentam usando a lógica e a evidência.

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